7/13/2008

FILOSOFIA 3

GRAY, John, Sobre Humanos e Outros Animais, Porto, Ed. Asa, 2007. 192 pp. Ca. 13 euros.
“A moderna fé na verdade é uma relíquia de uma crença antiga. Sócrates fundou o pensamento europeu com base na fé que a liberdade nos torna livres. Nunca duvidou de que o conhecimento e o bem-estar coincidissem. (…) O legado de Sócrates consistiu na associação da busca da verdade a um ideal místico de bem. Contudo, nem Sócrates nem qualquer pensador antigo imaginaram que a verdade pudesse tornar a humanidade livre. Tinham por assente que a liberdade seria sempre privilégio apenas de uns quantos; não havia esperança para a espécie.
(…) O humanismo moderno é a crença segundo a qual, através da ciência o homem pode conhecer a verdade e assim ser livre. Mas se a teoria da selecção natural de Darwin for verdadeira, isso torna-se impossível. A mente humana está ao serviço do êxito evolutivo e não da verdade. (…) A verdade não goza de qualquer superioridade evolutiva em relação ao erro. (…) Como Trivers assinala, a evolução favoreceu os erros úteis: “A ideia convencional de que a selecção natural favorece os sistemas nervosos que produzem imagens cada vez mais precisas do mundo não pode deixar de ser vista como uma concepção extremamente ingénua da evolução da mente” (pp. 35 a 37)

” É uma estranha fantasia supormos que a ciência pode introduzir na razão num mundo irracional, quando tudo o que pode fazer é imprimir uma nova variante na loucura normal”. (p.38)

“Como Monod escreve: “As sociedades liberais do Ocidente continuam a prestar homenagem verbal – e a apresentar como base moral – a uma mistura deprimente de religiosidade judaico-cristã, de progressismo cientista, de crença nos direitos “naturais” do homem e de pragmatismo utilitário.” O homem deve pôr de lado estes erros e aceitar que a sua própria existência é inteiramente acidental.” (…) Deve despertar do seu sono milenar e descobrir a sua solidão absoluta, o seu isolamento fundamental. Deve compreender que, como um cigano, vive na fronteira de um mundo estranho, um mundo que é surdo para a sua música e indiferente às suas esperanças, bem com aos seus sofrimentos e aos seus crimes”.
Monod tem razão ao dizer que é difícil aceitarmos que os seres humanos não são diferentes dos outros animais. Ele próprio não o aceita. (…) Para Monod a humanidade é uma espécie que goza de um privilégio único. (…) Como os cristãos Monod crê que a humanidade se descobre num mundo estranho, insistindo no facto desta ter de escolher entre o bem e o mal. “O reino superior ou a treva inferior: cabe ao homem decidir.” Segundo esta fantasia, no futuro a humanidade será diferente não só de qualquer outra espécie animal, mas também de tudo o que já tenha sido. Os cristãos que resistiam à teoria de Darwin receavam que esta reduzisse a humanidade à insignificância. Não precisavam de se ter preocupado. O darwinismo seria utilizado para recolocar a humanidade no seu pedestal.” (p.40)

“O humanismo é uma religião secular construída a partir de fragmentos decadentes do mito cristão. Pelo contrário, a hipótese Gaia – a teoria segundo a qual a terra é um sistema auto-regulado, cujo comportamento se assemelha, sob certos aspectos, ao de qualquer outro organismo – encarna o mais rigoroso naturalismo científico (…). No fundo o conflito entre a teoria de Gaia e a actual ortodoxia não é uma controvérsia científica. É uma colisão de mitos – um de formação cristã, outro derivado de uma crença muito mais antiga.
A teoria de Gaia restabelece o vínculo entre os seres humanos e a restante natureza, presente também na religião primordial da humanidade: o animismo. Nas fés monoteístas, Deus é a garantia última do sentido da vida humana. Para Gaia a vida humana não tem mais sentido do que a da amiba.” (pp.41,2)

“Tal como é correntemente praticada a filosofia é a tentativa de descobrir boas razões para crenças convencionais. Na época de Kant, o credo das pessoas era cristão; hoje é humanista. (…) Arrancar as máscaras das nossas feições animais é uma tarefa que ainda mal começou.” (p.44)

“A ideia de progresso não é mais do que o anseio da humanidade transcrito num registo tecnofuturista. Não é ai, nem nas eternidades metamorfoseadas dos místicos que encontraremos a saúde mental.
(…) Das cinzas do Estado soviético emergiu uma economia hipermoderna – um anarcocapitalismo de alicerces mafiosos que se expande para Ocidente. A globalização do crime organizado russo verifica-se numa época em que as indústrias ilegais – droga, pornografia, prostituição, ciberfraude e actividades similares – são os verdadeiros sectores dinâmicos da maior parte das economias avançadas. O anarcocapitalismo russo dá abundantes sinais de poder vir a superar o capitalismo ocidental nesta fase de desenvolvimento. Teatro outrora de múltiplos projectos falhados de ocidentalização, a Rússia está hoje na vanguarda da modernização do Ocidente.” (p.155)

“Os outros animais não precisam de um propósito na vida. Contraditoriamente, o animal humano não pode viver sem ele. Não podemos pensar que o propósito da vida poderá passar pela sua simples observação.” (p.170)

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