3/14/2008

TESTEMUNHOS 3

CHOMSKY, Noam, Poder e Terror, Lisboa, Ed. Inquérito, 2003 (compilação de entrevistas)
- Pergunta que muitas vezes passa pela cabeça das pessoas é a relação que há entre o seu trabalho na Linguística e o seu trabalho na Política.
- Não existe qualquer relação directa. (…) Acontece que a linguagem é dos poucos domínios em que pode estudar-se faculdades humanas nucleares, de forma muito intensa e obter resultados para além da compreensão superficial. Isto é extremamente difícil de conseguir na maioria das áreas mas esta é uma daquelas em que podemos consegui-lo.” (pág. 44)

“Simplifico todas as coisas por dizer que “os Estados Unidos actuam por todo o lado como um império do mal”? Sim, isso certamente simplificaria demais as coisas. E é por isso que saliento que os Estados Unidos se comportam como qualquer outra potencia. Acontece que os Estados Unidos são mais poderosos e por isso, como é de esperar, mais violentos. Mas é sempre assim. Quando os britânicos governavam o mundo, faziam a mesma coisa.
Falemos dos curdos. Que fazia a Grã-Bretanha relativamente aos curdos? Vejamos uma pequena história (…) Depois da guerra, conforme resulta de documentos internos secretos, os britânicos estavam a estudar como é que iam continuar a governar a Ásia, agora que já não tinham a força militar necessária para ocupá-la. A ideia que surgiu foi a de se voltarem para o poder aéreo (…) usar o poder aéreo para atacar civis. Calcularam que seria uma boa maneira de reduzir os custos acarretados pelo esmagamento dos bárbaros. Winston Churchill que era então Secretário de Estado das Colónias não julgava que fosse suficiente. Recebeu um ofício do gabinete da Força Aérea Britânica no Cairo pedindo-lhe autorização, e agora vou citar, para usar gás venenoso “contra árabes recalcitrantes” (…). Bem, esse documento circulou por todo o Império Britânico. O Gabinete da Índia resistiu. Disseram de lá: Se se usar gás venenoso contra curdos e afegãos isso vai causar-nos problemas na Índia. (…) Haverá protestos, as populações ficarão furiosas, etc. (…) Churchill ficou indignado com a reacção. E disse:
“Não percebo estes melindres acerca da utilização de gás… Sou absolutamente a favor do uso de gás venenoso contra tribos selvagens… Não é necessário usar apenas os gases mais mortíferos; podem ser usados gases que provoquem grandes incómodos e espalhem o terror e que, no entanto, não deixem efeitos permanentes sérios na maior parte dos atingidos… Em circunstância alguma podemos concordar com a não utilização de quaisquer armas disponíveis para conseguir um mais rápido fim das desordens que preponderam na fronteira. Salvará vidas britânicas. Usemos todos os meios que a ciência nos permite”.
Aí tem, portanto, a maneira como se lida com curdos e afegãos quando se é britânico. Que aconteceu depois? Bem, não sabemos com precisão. E a razão porque não sabemos exactamente é que há dez anos o governo britânico instituiu aquilo a que chamou uma Política de Governo Aberto, a fim de tornar mais transparentes as operações governamentais, a fim de caminhar em direcção da democracia (…). E a primeira acção da Política de Governo Aberto foi retirar dos arquivos públicos oficiais – e presumivelmente destruir – todos os documentos que tivessem a ver com o gás venenoso e do poder aéreo contra os árabes recalcitrantes, isto é, os curdos e os afegãos. Assim, podemos ficar felizes porque nunca saberemos exactamente qual foi o resultado deste pequeno exercício de Churchill.” (págs. 133/136)

3/11/2008

CRITICA 2 She will not live, performance de Hugo Calhim com Joana Von

Uma mulher no fundo de um espaço cénico olha-nos: eis o início de She will not live.
Movimentos, experiências com objectos – poucos – e, no final, é-nos enviado um berlinde virtual que nos dá a vez ou a acção. E digo “finalmente” porque durante a performance somos agarrados pela acção de Joana Von e é esta a qualidade de She will not live: absorve-nos e o que, de início, nos chama a atenção – uma mulher nua e estática olhando-nos do fundo do seu espaço - deixa de ter importância, porque a dita imagem se anula entre as actividades/acções que ela mesma leva a cabo: estar nua, ou pouco vestida, resumir-se-à então a um facto entre os demais.
Esta reificação de um corpo desnudo significa que a performer transmuta a sua nudez ao longo do espectáculo tornando-a parte do seu trabalho, utensílio, apenas. Como se o espectador assistisse ao suicídio de alguém, cuja morte entretanto esquecesse, apesar do suicida continuar na sua frente. Joana continua mais ou menos despida mas…
Porém que faz a intérprete de She will… para se subtrair à nossa devassa, com que nos entretém? Joga, coloca o seu corpo em confronto com objectos quotidianos – molas de pendurar roupa, uma garrafa – e é tudo tão despojado que, no fim do espectáculo, se fica com a impressão de ter assistido a nada. Na verdade testemunhou-se uma transubstanciação, tanto mais difícil quanto se trata, não só de um corpo no seu estado de esplendor físico, como ainda feminino, e logo, desde há milénios prisioneiro de um olhar, o masculino. Mas a transubstanciação dá-se. E, naturalmente em ritual, em absoluto silêncio, entrecortado apenas pelo som do seu próprio fabrico.
She will… trata de um corpo que, de objecto se ergue, através do jogo cénico, a sujeito, libertando-se do seu carrasco, no caso o voyeurismo.
Só o trabalho, entendido como acção sobre si mesmo/no mundo, conduz à autonomia, no caso concreto a da condição feminina, eis a “história” de She will not live, performance que se poderia também chamar “Requiem por um certo “She”.

CRÍTICA 3 Miguel Borges em "A Velha"

Uma personagem muitas personagens – o texto não obriga o intérprete a essa versatilidade – e uma velha que é muitas coisas.
Miguel Borges numa multiplicidade de papéis sem nunca deixar a sobriedade de uma actuação inteligente, cerebral e nada condescendente com histrionismos fáceis.
O dom da palavra, da concisão, do gesto preciso, da elisão dos movimentos inúteis – ou “entretantos” – expressa nas passagens bruscas entre posições, atitudes, máscaras. A condizer com o despojamento do espaço, a sua austeridade ou fisicalidade, isto é, a imposição de um espaço, paredes, canos ou condutas, como símbolo possível de uma comunicação que começa e não acaba, salvo quando a luz fecha, abrindo no entretanto sobre uma velha, um maquinista, uma mulher, algures vista numa padaria – e que por não ter nome – como a velha? – fica vulto – o amigo com que se bebe - e embebe – em vodka, a vizinha, um colectivo, em suma, que circula, mais o manco que pedincha e o gozo dos putos de rua: uma multidão num espaço fechado – como o corpo que finalmente nem existe mas se vê na mala – vermelha – a única cor garrida em cena - uma acusação que ameaça – a de um social alheio a qualquer razão subjectiva e que procurará no protagonista um assassino – mais uma reza escatológica – como deveriam ser todas as conversas com a divindade – num canto da cena, entrevendo um corpo que durante toda a representação se oculta, quer sob palavras-imagens, quer num fato que aperta, e de que mal se liberta – salvo quando evacua - que evoca K., de “O Processo” na versão Wells.
Uma interpretação magistral de um actor em pleno amadurecimento e que, se conseguir não se tornar pivot de um qualquer programa de entertainment ou chalaça, poderá ir onde quiser.

ENTRANHA 9 Cara Estética dos Trezentos...

Se, como se diz, o Teatro reflecte mais do que qualquer outra arte a sociedade, nela se há-de então repercurtir a cara estética das lojas de trezentos.
Explico os motivos assim como os exemplos:
Com a democratização novos grupos sociais tiveram acesso ao ensino e ao consumo. Todavia, descendendo de meios com baixos recursos económicos, nunca tiveram durante a sua infância e mesmo formação – a escola democratica ja foi suficentes vezes associada com uma “caserna” para tornar a referi-lo – acesso a qualquer lugar de luxo ou de maior qualidade. (A escola poderá compensar isto por sucessivas visitas a museus mas todos sabemos hoje que a Escola portuguesa pós 25 de Abril falhou o seu objectivo).
Assim, todas as gerações, duas até á data, criadas na jovem democracia portuguesa tiveram como referencia de serviço publico um restaurante macdonnald’s e por loja de consumo a dos trezentos mais próxima.
Como resultado a estética que impera no teatro hoje é igualmente a das caras lojas de trezentos. Não só porque os criadores que nelas expôem receberam a sua influencia como também porque o publico está disposto a receber tal estética. Além de que todos sabemos quanto o prazer de agradar arrasta para o conformismo o mais bem intencionado.
Assim, tivemos em Lisboa, por vias diferentes mas, por cooincidencia?, ambas as produções em teatros geridos por entidades públicas – o Trindade e o Nacional – duas peças, cuja cenografia é devedora do que aqui chamo “a cara estetica dos trezentos”: Terramoto e Medeia.
Em Terramoto tal estética foi visível na pelintrice bem vestida dos figurinos, na cenografia feita de caixotes, nos fumos mais que vistos e coloridos de vermelho – o vermelho é a primeira cor que vem ao imaginário pequeno-burguês para qualquer coisa de “mais especial”.
Em Medeia nos chão que se ilumina (cujo contributo dramatúrgico é nulo mas contribui para a tal estética do bonitinho) no brilho sintético do sangue, nas canções do coro, cuja música evocava o musical ligeiro (a tragédia grega tinha a emmeleia mas segundo consta o seu estilo era contido e nobre) na utilização, enfim de todo o género de efeitos paradigmáticos das bugigangas que acendem e apagam que alguns emigrantes vendem hoje pelas ruas.
Cara estética de trezentos!

3/09/2008

FÍSICA 1

REEVES, Hubert, Últimas Notícias do Cosmos, Lisboa, Gradiva, 1995
“Mas, repetimo-lo uma vez mais, a imagem de uma matéria inicialmente confinada a um volume minúsculo e propagando-se no espaço vazio envolvente deve ser rejeitada. Se queremos conservar a imagem da explosão, é preciso modificá-la. Imaginemos antes um espaço contínuo em que cada ponto está em explosão. O universo e homogéneoo e não tem centro.” (pág. 69)

“Quanto mais quente estão os corpos mais energiam irradiam. (…) Sendo mais denso e mais quente, o universo do passado deveria ser por isso mais luminoso (…) Que aconteceu a essa brilhante realização que reinava outrora no espaço? É a pergunta que faz então George Gamow. (…) Rumor atenuado do esplendor original só resta hoje nos céus uma fraca radiação, invisível a nossos olhos. (…) Trata-se de uma radiação emitida por um corpo quente a uma temperatura homogénea. Este corpo isotérmico está disperso à escala do cosmos; a radiação provém uniformemente de todas as direcções” (págs. 111/116)

“Esta isotermia trazia uma notícia boa e uma notícia menos boa. (…) A notícia boa situa-se ao nível de um problema espinhoso: a origem das galáxias. A textura do universo contemporâneo é extremamente granular. A densidade média das galáxias é, pelo menos, um milhão de vezes mais elevada do que a do espaço que a separa. Como explicar a passagem do espaço homogéneo antigo para a não homogeneidade contemporânea? Qual é o mecanismo da germinação das galáxias na miscelânea inicial? Como se acumularam estes “coágulos” na matéria primitiva? Em que momento começaram as massas embrionárias a separar-se? Como evoluíram até ao esplendor das espirais contemporâneas? A física propõe uma resposta: o efeito da gravidade sobre a miscelânea inicial. Um coágulo primordial exerce à sua volta uma força de atracção. Obedecendo a este apelo, a matéria vizinha aproxima-se e junta-se-lhe, aumentando a sua massa e a gravidade. O fenómeno amplia-se por si mesmo. É o efeito “bola de neve”. As galáxias teriam nascido assim.
Notemos desde já que, se a miscelânea é perfeitamente homogénea, nada se desagrega. Como o burro de Buridan, cada partícula atraída de igual modo por todas as que a rodeiam, permanece imóvel. Todavia, se por qualquer razão, a matéria de um dado volume vê a sua densidade tornar-se ligeiramente superior ao meio envolvente, então tudo se modifica e regressa ao ponto de partida… No início são necessários germes de galáxias.
A presença destas estruturas embrionárias deveria manifestar-se muito cedo na evolução do cosmos. A radiação fóssil deveria deixar traços. Daí o embaraço causado pela sua extraordinária isotropia. É a notícia menos boa trazida pelas observações de radiação fóssil.
Visando resolver este problema, foi em 1988 lançado um satélite americano a que foi dado o nome de COBE (Cosmic Background Explorer). Os primeiros resultados, publicados em 1990, confirmam com uma precisão espantosa, a sua natureza térmica.
Em Março de 1992 a equipa científica do COBE anuncia a descoberta tão esperada da granularidade da radiação fóssil. São detectadas também variações de temperatura na proporção de uma parte por cem mil, os germes das grandes estruturas estão mesmo lá.” (págs. 118/122).

“Admitamos que a temperatura do universo tenha atingido num passado longínquo um valor superior a 10 mil milhões de graus. (…) Tais temperaturas têm um efeito desastroso nos núcleos. A agitação térmica é tal que a força nuclear não consegue manter-lhes a coesão. Decompõem-se em protões e neutrões. Nesta época o mundo é constituído por uma sopa homogénea de nucleões, entre os quais pululam electrões, neutrinos e outras partículas elementares. Mas nada de núcleos atómicos. (págs. 153/4)


WEINBERG, Steven, Os três primeiros minutos, Lisboa, Gradiva, 1987
Sobre a matéria escura e a sua possível importância na formação dos germes de galáxias S.W. coloca a hipótese de que a dita matéria poderia acelerar a germinação de galáxias, devido ao facto de não perturbar a isotermia dos céu. Verificou-se, com efeito, que a matéria escura funcionaria como bolsas discretas sobredensas que poderiam servir de núcleos de condensação para as futuras estruturas.
Acerca da impossibilidade de isolar quarks livres diz S.W:
“Se a perca de interacção entre dois quarks diminui à medida que se aproximam, deve também aumentar à medida que se afastam. A energia necessária para afastar um quark dos outros num hadrão vulgar aumenta portanto com a distancia e acaba eventualmente por se tornar suficientemente grande para criar novos pares quark-antiquark a partir do vácuo. No fim acabaremos não com vários quarks livres mas com vários hadrões vulgares. É exactamente como tentar isolar uma extremidade de uma corda. Se se puxar com muita força, a corda parte-se mas o resultado final são duas cordas, cada uma com duas extremidades! Os quarks estavam suficientemente próximos no universo primitivo para não sentirem a interacção e se comportarem como partículas livres. Todavia, todos os quarks livres nesta época, à medida que o universo arrefecia e se expandia, devem ter sido aniquilados por algum anti-quark, ou então terem encontrado um lugar de repouso, um protão ou um neutrão. (p. 159)




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