12/15/2009

POEMA 16 - Textos de Gonçalo Luis Barra

Lua

Vi o teu corpo levantar-se lavado em orvalho,

Com pétalas de margarida marcadas na pele

E no cabelo, solto e luminoso como a Lua,

Espelhada na curva linha das tuas coxas,

Na cava linha da tua cintura, no vaivém

Dos teus ombros e seios passa o orvalho,

Mergulhando em si precipita-se doce,

Em trémulas grainhas e gotas salgadas

Ferem os olhos que choram e a boca mordida,

Pelo marfim e mel do teu beijo, do teu sagrado desejo.











Mulher azul

Vi-te naquela noite tingida de azul marinho

Num tom nocturno misto de blues e névoa

A diluir conversa numa maré de burburinho

A tua mão pendia e brilhavam os teus olhos

Num branco muito aceso que parecia o luar

Riso de quebra-gelo a navegar nos escolhos

Por entre o ritmo das ondas aparecias tu Rosa

Dos Ventos embalada em nocturnas fantasias

E dos teus lábios sábios versos mais que prosa

Exalavam exóticos perfumes secretas maresias
















Silêncio

Num mar de sal seco em meados me vejo

E sobem-me lágrimas dum incensário vivo

Caiou-me os lábios a serpente do teu beijo

O silêncio das tuas palavras a penas estivo

Pois me vergo de quebranto num harpejo

E morro com cada sílaba que de ti me privo

Preciso de cataratas de palavras soltas pelo coração

Raios de sílabas em cada amanhecer do teu sorriso

Vales de eterna poesia em cada estrofe do teu siso




















Sem

Perdida do tempo em palavras escritas

Não deram por perdido tempo as rezas

Promessas entre beijos sufocados ditas

Só a paixão rouba ao amor suas belezas

Céus servidos dos sentidos como mesas

Travessas de amor ao prazer sacrificado

Já só na dieta dos amantes há surpresas

Carnes em vinho com pétalas de pecado

Vinho em vez de lágrimas te suplico amante

Rosas em vez de pão encomendo eu apenas

Que lágrimas e amor não deixam ver adiante



























Estrela do Mar

Alongado corre o mar pelo desejo infinito de entrar em ti

Um choro de espuma crepita na saudade dos meus dedos

E suspensa a maresia no meu peito sinto algas que toquei

Inspiro inebriado odores de carmim onde perdi os medos

Uma voz fresca rola nas ondas que me inundam os passos

Suspenso no azul o aceno das gaivotas desenha-te o olhar

E as dunas o teu seio esculpido a cinzel pelas mãos do mar

Terno como a brisa que suspira o sabor dos leves cansaços

Minha Estrela do Mar vem entrelaçar os teus braços nos meus dedos

Deixa-me sentir a fina areia do teu seio e as algas rosas onde dormes

Quero fechar os olhos e ver os teus no céu azul a adivinhar segredos













Urgência

Como se eu pudesse adivinhar entre as dobras da tua pele

Um coração que vê o mar e sente a brisa afagar-lhe o rosto

Como se as minhas mãos fossem água e a minha boca mel

Docemente a imergir até o ventre te estalar cheio de mosto

Estou dentro de ti sem começo permeio nem acabamento

Uma andorinha na busca eterna do sol a brilhar na tua alma

Serei em ti sempre nada mais do que a brisa dum momento

Um doce beijo no veludo do teu seio ao final da tarde calma

Festejo o calor do vento que te lambe o corpo a alma e as entranhas

A força do fantasioso ritmo que te entontece os pés e levita o desejo

Que tua boca amor reencontre fome de colher da andorinha um beijo













































Borboletas

Do sangue vermelho surgem borboletas de todas as cores

Como se o teu magenta fosse o branco eterno e completo

Um Sol a desvendar em si o espectro do cabo além dores

A Boa Esperança enfeitada por asas de cromático dialecto

Não vejo drama na borboleta pousada no cerejo fontanário

Nem a vergonha brota dos vulcões sob o leito onde se esvai

Onde a coragem ordenou lavrar sobre a pele o seu glossário

Sílabas de fogo guardadas pelos Deuses quando a noite cai

Não pedem meu perdão as marcianas borboletas que o teu rio enfeitam

Não escuto o prenúncio da azáfama sanguinosa dos abutres em festim

Só ouço o mensageiro vento a passar por nossas vidas e à vida dizer sim





























Suposições eléctricas

Suponho que me leias hoje, ao longe

Mais uma vez, ao longe, pela fractura

Eléctrica, que entre nós teima e dura

Eléctrico de nós, solavancos e loucura

































Rosa

Pousei nas tuas mãos uma rosa rara

Deixei cair certa mentira pura e cara

A dura côdea que me sustem a alma

Morna jaze na concha da tua palma

Guarda bem esse pão que é meu tesouro

Afaga no teu regaço essa rosa minha dona

E dona minha te suspiro que silêncio é ouro














































Credo

Acredito em ti, tanto que nem acredito,

Nesse ouro de palavras sobre o meu peito,

Quero caminhar à chuva desse sol aflito,

Acreditar que o meu ser em ti é ser perfeito.

Se até ao arco-íris te vou viver de memória, imperfeito,

A promessa do ouro é um diamante desenhado a carvão,

O labirinto de dor e alegria que há-de ser um mar de rosas em botão.











































Espera

Saudade é um tempo que fica à espera do tempo

É a humidade da areia que fica na baixa das marés

É a vontade presa na véspera eterna do momento

É não ter fonte que traia uma sede triste de alegria

A saudade é uma lágrima que cola a alma ao vento

E não seca com sede de viver nem sol do meio-dia


















































Rever-te

Não quero dizer palavras ditas mas rever-te

Como te revi nas copas dos serenos bosques

Na luz do canal onde ver a vida era sentir-te

Como o Sol sobre a estação que tu te mostres

Quero ter comigo o teu olhar puro e quente

Esse aconchego verdejante à solta no jardim

Quero sentir o coração forte que não mente

Da minha vida a procurar a tua num sem-fim

Por isso quero que vivas neste dia que é teu como as marés

Quando retornas à chegada e te largas à doce barca do luar

E navegas ao cabo de cada vida que sonhaste e esse sonho és

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