2/13/2011

DESTAQUE - Entrevista de Noam Chomsky ao "Democracy" (08/12/11)

Amy Goodman: Qual é sua análise sobre o que está a acontecer e como se pode repercutir no Médio Oriente?

Noam Chomsky: Em primeiro lugar, o que está a ocorrendo é espectacular. A coragem, a determinação e o compromisso dos manifestantes merecem destaque. E, aconteça o que acontecer, estes são momentos que não serão esquecidos e que seguramente terão consequências a posteriori: constrangeram a polícia, tomaram a praça Tahrir e permaneceram ali apesar dos grupos mafiosos de Mubarak. O governo organizou esses bandos para tratar de expulsar os manifestantes ou para gerar uma situação na qual o exército pode dizer que teve que intervir para restaurar a ordem e depois, talvez, instaurar algum governo militar. É muito difícil prever o que vai acontecer.

Os Estados Unidos estão a seguir o seu manual habitual.
Não é a primeira vez que um ditador “próximo” perde o controle ou está em risco de perdê-lo. Há uma rotina padrão nestes casos: continuar a apoiar durante o tempo que for possível e se ele se tornar insustentável – especialmente se o exército mudar de lado – dar um giro de 180 graus e dizer que sempre estiveram do lado do povo, apagar o passado e depois fazer todas as manobras necessárias para restaurar o velho sistema, mas com um novo nome.
Presumo que é isso que está a ocorrer agora. Estão a ver se Mubarak pode ficar. Se não aguentar, colocarão em prática o manual.

Amy Goodman: Qual sua opinião sobre o apelo de Obama para que se inicie a transição no Egipto?

Noam Chomsky: Curiosamente, Obama não disse nada. Mubarak também estaria de acordo com a necessidade de haver uma transição ordenada. Um novo gabinete, alguns arranjos menores na ordem constitucional, isso não é nada. Está a fazer o que os líderes norte-americanos geralmente fazem.
Os Estados Unidos têm um poder constrangedor neste caso. O Egipto é o segundo país que mais recebe ajuda militar e económica de Washington. Israel é o primeiro. O mesmo Obama já se mostrou muito favorável a Mubarak. No famoso discurso do Cairo, o presidente norte-americano disse: “Mubarak é um bom homem. Ele fez coisas boas. Manteve a estabilidade. Continuaremos a apoiá-lo porque é um amigo”.Mubarak é um dos ditadores mais brutais do mundo. Não sei como, depois disso, alguém pode continuar a levar a sério os comentários de Obama sobre os direitos humanos. Mas o apoio tem sido muito grande. Os aviões que estão a sobrevoar a praça Tahrir são, certamente, norte-americanos. Os EUA representam o principal sustentáculo do regime egípcio. Não é como na Tunísia, onde o principal apoio era da França. Os EUA são os principais culpados no Egipto, juntamente com Israel e a Arábia Saudita. Foram estes países que prestaram apoio ao regime de Mubarak. De facto, os israelitas estavam furiosos porque Obama não sustentou mais firmemente seu amigo Mubarak.



Amy Goodman: O que significam todas essas revoltas no mundo árabe?

Noam Chomsky: Este é o levantamento regional mais surpreendente de que tenho memória. Às vezes fazem comparações com o que ocorreu no leste europeu, mas não é comparável. Ninguém sabe quais serão as consequências desses levantamentos. Os problemas pelos quais os manifestantes protestam vêm de longa data e não serão resolvidos facilmente. Há uma grande pobreza, repressão, falta de democracia e também de desenvolvimento. O Egipto e outros países da região recém passaram pelo período neoliberal, que trouxe crescimento nos papéis junto com as consequências habituais: uma alta concentração da riqueza e dos privilégios, um empobrecimento e uma paralisia da maioria da população. E isso não se muda facilmente.



Amy Goodman: Você crê que há alguma relação directa entre esses levantamentos e os telegramas do Wikileaks?

Noam Chomsky: Na verdade, a questão é que a Wikileaks não nos disse nada novo. Deu-nos a confirmação para as nossas razoáveis conjecturas.


Amy Goodman: O que acontecerá com a Jordânia?

Noam Chomsky: Na Jordânia, recém mudaram o primeiro ministro. Ele foi substituído por um ex-general que parece ser moderadamente popular, ou ao menos não é tão odiado pela população. Mas essencialmente não mudou nada.



(Tradução de Katarina Peixoto, para Carta Maior)

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