4/15/2011

DESTAQUE - Agora que todos "descobrem" os erros do passado, devo citar-me para mostrar uma visão do Portugal d'alguns anos atrás... (in Ressurrreição, publicado em http://carlosgouveiamelo.blogspot.com/)




Cinco de Junho de 1984

A mediocridade no poder confrange e ainda por cima sai cara. Mas compreendo a táctica dos novos senhores: estrangulam economicamente a população fazendo-a aceitar já só o circo em vez de também o pão.









Dez de Outubro de 1984

A ruptura. Certos homens que se servem da política falam na ruptura do sistema. A nível dos serviços colectivos apenas assisti a uma melhoria: uma composição de metro que proporciona mais conforto. No resto do país desconheço. Tomar uma bebida num local onde nos atendam com educação não é possível, a não ser que se pague três ou quatro vezes mais. Os sítios deterioram-se, quer pela frequência de uma clientela cada vez mais empobrecida, a qual entretanto não foi educada e perdeu mesmo raízes, quer por remodelações que os transformam em lugares incaracterísticos.

Nas parangonas os jornais anunciam os milhares de contos atribuídos ao futebol.

O governo, em vez de se definir como conjunto de homens interessados em proporcionar instrução e um projecto nacional, trabalha contra si próprio, satisfazendo as necessidades do circo. É difícil manter a situação de observador a tal ponto são flagrantes a má governação e a falta de clarividência. Suportei cinco horas de espera numa fila para comprar impressos numa repartição e muitas pessoas terão entretanto faltado ao emprego.









Dezassete de Outubro 1984

O poder de compra decresce e, nas ruas, surgem formas inhabituais de ganhar a vida mais a prostituição a ganhar novas zonas. No metro, as pessoas levam os olhos no chão e, ao menor motivo, disputam-se. A tensão é grande e o transporte colectivo penoso, devido ao ambiente de desânimo e frustração. Incidentes sem importância degeneram em algazarra. A quantidade de pessoas mortas pela polícia já não é pequena, graças ao hábito de atirar ao corpo, quando uma salva para o ar bastaria. Não sei se é possível nova revolta para breve. As pessoas andam derrubadas e as manifes, que exibem bandeiras negras a simbolizarem a fome, tornaram-se quotidianas. Onde chegará o mal-estar?

Na compra de um simples selo o funcionário nunca tem moedas para o troco e os preços sobem a tal velocidade que raro é o bilhete de transporte, cinema ou mera entrada para uma piscina que não apresente o antigo preço riscado e o carimbo do novo ao lado. Ninguém acredita que no governo a eficácia presida a atribuição de cargos e a descrença no Estado é generalizada.

Político tornou-se sinónimo de trapaceiro, senão mesmo de ladrão.

A desconfiança e a falta de perspectiva alastram.







Vinte quatro de Outubro de 1984

Pego no jornal e um título evidencia-se: "Veneno ao jantar mata casal e dois filhos": outro suicídio colectivo, no caso perpetrado pela mãe que preparou uma refeição de insecticida para a família, a acrescentar ao pai que matou a mulher e o filho, etc. etc. Por entre as constantes passeatas e banquetes dos políticos o povo pobre desespera e mata-se.

Não lembra ao diabo que a esperança de Abril tenha frutificado neste país, nem tão pouco que esta gente, de semblante pesado e triste, desse outrora vivas a uma nova vida, discutindo na rua a polis e dançando contente.







Sem dia marcado em Outubro de 1984

As decorações transformam-se em novas-ricas e agressivas. A pequena-burguesia, até há pouco contida no proletariado, dá de braços com a televisão colorida e, não havendo a preocupação de educá-la, a tudo emporcalha. Há uma nova classe poderosa: a dos políticos. Mas na assembleia nacional falta com frequência o quorum. Uma sociedade em decadência porque nada a une e o ponto comum é a insatisfação que todos sentem. Isto é, exceptuando os que governam.







6 de Julho de 1988

As coisas, ao nível onde me situo, o do pequeno-burguês sem carro que toma o pequeno-almoço na pastelaria e apanha o transporte público para o trabalho, não funcionam.

De um lado, os que dirigem não imaginam o que seja esperar transporte numa paragem sem resguardo, viver em bairros sem espaços verdes, andar aos zigue-zagues nos passeios por causa dos automóveis neles estacionados; do outro lado, escassamente viajados e que nunca se confrontaram com outros modos de vida, estão os que tudo isto sofrem, anestesiados por kilómetros de telenovelas e demais panaceias, (para não falar do branqueamento dos livros escolares, acerca das épocas em que, de facto, protagonizaram uma ameaça para os economicamente poderosos, dos quais chegaram a esfrangalhar o aparelho de Estado) e bombardeados ainda por uma cultura-"hamburger", que a todos desfalca precisamente do que serviria à construção de um Portugal culturalmente de si próprio, de uma democracia inovadora.











6 de Maio de 1996

Oração de um idiota: meu Deus, ajuda-me a ter um dia politicamente correcto.







Sem dia marcado, em Junho de 1996

Três prémios nacionais no espaço de dez dias – o da “Revelação” da Associação Portuguesa de Escritores e um 1º e 2º lugares (encenei dois grupos) num tal Encontro de Teatro Jovem, noutra aldeia talvez desse direito a um telefonema pedindo uma entrevista. Mas não tenho conhecimentos nos jornais e, pelos vistos, os jornalistas...

Que bom ficar incógnito!







30 de Ouubro de 1997

Em Portugal, mesmo depois da revolução o compadrio tem estragado ou impedido a formação de carreiras. Ao distinguido logo se prefere o amigo e o notável, por mérito, resvala de novo para o esquecimento.

Digamos que esta burguesia, aqui e agora, ainda não reconhece o trabalho, o labor paciente que faz o génio. Prefere-lhe o habilidoso, o esperto, o desenrasca.






























































4/14/2011

GOLDACRE Ben, Ciência da Treta. Lisboa: Bizâncio, 2009 (ca. 333 pp. e 17 euros)


“O maior problema de todos é a simplificação. Tudo nos media perde qualquer importância científica, numa tentativa desesperada de seduzir uma massa imaginária que não está interessada (...) A comunidade indulgente e bem financiada do «compromisso público com a ciência» tem-se revelado pior do que inútil, porque está também obcecada em levar a mensagem a todos, raramente apresentando um conteúdo estimulante às pessoas que já estão interessadas.” (p.328,9)



“Normalmente as notícias sobre a ciência inserem-se numa das três categorias: as notícias loucas, as notícias de «descobertas» e as notícias alarmistas. Cada qual destrói e distorce a ciência à sua própria maneira” (p.192)

4/11/2011

DESTAQUE  O caso da Islandia

"Mais uma vez os islandeses dizem NÃO!",  por Manuel Augusto Araújo



(...)  Os islandeses dizem novamente NÃO a um pagamento negociado com ingleses e holandeses em que estes, na mira de recuperarem algum já tinham aceite a desindexação da coroa islandesa do euro o que, com a desvalorização da coroa, representava o contentarem-se em receber menos 40% do começaram por exigir, com a arrogância normal do grande capital. Perdida essa batalha, foram aceitando novas formas, juro fixo, e prazos de pagamento, quinze anos. Mesmo assim o que estava a ser referendado correspondia a que cada família islandesa pagasse 150 euros por mês, durante quinze anos.



O escândalo é exigir a um Estado, aos seus cidadãos contribuintes, que paguem as dívidas de um banco privado que se estabeleceu em Inglaterra e Holanda, com o acordo desses países e que, de especulação em especulação, foi á bancarrota. Quem é que devia fiscalizar as actividades desse banco? O governo da Islândia, claro nas actividades feitas no seu território. As entidades reguladoras inglesas e holandesas, nos negócios feitos nos seus países. Sabemos como essas coisas acontecem, não nos esquecemos do regulador Victor Constâncio e dos casos BPN e BPP. Conhecemos isso de ginjeira, nem nos admiramos se o banco tinha notação AAA, atribuído pelas célebres agências de ratting, como tinha o Lehmann Brothers em vésperas de falir.


(...)


As intimidações continuaram, vão continuar, cercando esse pequeno país. O FMI do primeiro NÃO afirmava que não os ia “ajudar”. Ajuda do FMI? Os islandeses devem achar que isso é uma boa piada e mandaram borda fora o governo de direita que se preparava para pedir a intervenção do FMI.

(...)


Queria a Comissão Europeia que a Islândia se submetesse a uma lei feita por medida e meses depois dos acontecimentos, para obrigar os contribuintes islandeses a pagar a especulação de um banco privado.
(...)


Os islandeses é que continuam irredutíveis. Durante toda a semana foram bombardeados pelas virtudes do novo acordo, pelas virtudes de, se o aceitassem, poder aderir à EU. Alvejados com sondagens que davam a vitória certa do sim. Só quase à boca das urnas é que as sondagens colocaram a hipótese de um empate. O resultado até agora conhecido, não foi como o do anterior referendo com a vitória do NÃO a alcançar 94 %. Mesmo com os panos quentes de condições mais favoráveis, a amplificação das ameaças, a manipulação informativa,mais uma vez, os islandeses, mais uma vez, não cederam.

 
Os analistas, (...) calculam que a recuperação económica da Islândia vá ser mais complicada e que patati, patata, isto quando até o FMI parece rendido às evidências. A Islândia, depois de estar á beira da bancarrota, tem boas perspectivas de crescimento, dizem os institutos ocidentais.

Por cá (...)
O FEEF/FMI é a Nossa de Fátima dos pastorinhos acantonados nos partidos que são os garantes dos burocratas de Bruxelas, a quem a Sra. Merkel puxa as orelhas, e das sumidades tecnocráticas fechadas nos seus gabinetes onde correm como baratas tontas e batem nos vidros como moscas atarantadas enquanto a realidade está lá fora, sempre em movimento.


Com gente desta pode-se mudar de governação, nunca se mudará de política.



O EXEMPLO DA ISLÂNDIA


por Lourdes Beneria [*] e  Carmen Sarasua [**]

Tradução de Guilherme Coelho


[*] Professora de Economia na Universidade Cornell.

[**] Professora de História Económica na Universidade Autónoma de Barcelona.


(...) Se tivéssemos noções claras do que é um crime económico e se houvesse mecanismos para os investigar e processar poderiam ter sido evitados muitos dos problemas actuais. Não é utopia. A Islândia oferece um exemplo interessante. Em vez de socorrer os banqueiros que arruinaram o país em 2008, os promotores abriram um inquérito criminal contra os responsáveis. Em 2009, todo o governo teve que se demitir e o pagamento da dívida da banca foi bloqueado. A Islândia não socializou os prejuízos como estão fazendo muitos países, incluindo Espanha, mas aceitou que os responsáveis fossem punidos e os seus bancos falissem.


Da mesma forma como foram criadas instituições e procedimentos para julgar os crimes políticos contra a humanidade, é hora de fazer o mesmo com os económicos. Este é um bom momento, dada a sua existência difícil de refutar. É urgente que a noção de "crime económico" seja incorporada ao discurso da cidadania e se compreenda a sua importância para a construção da democracia política e económica. Pelo menos vamos ver a necessidade de regular os mercados, para que, como diz Polanyi, estejam ao serviço da sociedade, e não vice-versa.
(original em www.elpais.com/)





29/Março/2011






































Arquivo do blogue