5/28/2012


Entrevista a Ignacio Ramonet,  Diretor da edição espanhola de "Le Monde Diplomatique"


'Se não sairmos do atoleiro, teremos uma Europa de extrema-direita'

A política de austeridade e de precarização do emprego capitaneada por Angela Merkel levou a um desespero social que alimenta as tendências mais radicais. Ou a Europa reage agora ou será tarde, diz Ignacio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique em espanhol. "Na França temos cerca de 28% do eleitorado votando numa extrema direita que recusa a Europa e o euro. O respeito das normas está a levar a uma situação insustentável. Victor Hugo dizia que não há nada mais poderoso que uma ideia para a qual chegou o momento", diz Ramonet.

Madri - O otimismo transparece na voz de Ignacio Ramonet e viaja até este lado do telefone. O diretor do “Le Monde Diplomatique” em espanhol, que há 14 anos advertiu que a globalização financeira estava criando o seu próprio Estado e gerando sociedades sem poder, sonha com esperança. Precisamente agora, quando se estão a cumprir um após outro os maus augúrios daquele seu editorial, “Desarmar os mercados financeiros”, que foi semente do movimento Attac. A política de austeridade e de precarização do emprego capitaneada por Angela Merkel levou a um desespero social que alimenta as tendências mais radicais. Ou a Europa reage agora ou será tarde. Ramonet crê que reagirá.


“Reorientar a Europa para o desemprego, o futuro e o crescimento”. As palavras de Hollande, recentemente eleito presidente da França, falam de uma mudança de rumo que parecia impossível. Há vida para além dos mercados?



A proposta de Hollande chega num bom momento. Se tivesse dito há um ano que não apoiava o pacto fiscal (promovido por Merkel), não teria funcionado. Hollande não fala do crescimento que Draghi (presidente do BCE) defende, baseado na precarização do emprego para ganhar competitividade e nas curas de austeridade. Hollande defende o crescimento com estímulo por parte da União Europeia. É o momento, porque há países submetidos a duras reformas extraordinárias com os governos a viver nos limites dessas políticas. 



Os próprios mercados veem que só austeridade não serve. Por isso, houve tanto apoio, ativo ou passivo, a Hollande. Prova disso é o caso do Governo espanhol, que desejava a vitória do socialista porque lhe dará oxigénio para pagar a dívida em mais anos sem asfixiar a economia.



Como se financia o crescimento?



Os Estados estão endividados e não podem endividar-se mais. Mas a UE como tal, não. Pode endividar-se e emprestar aos Estados ou financiar obras que criem emprego.



A banca está falida. Se lhe injetam dinheiro a 1% a partir do BCE e com ele compra dívida de países com rentabilidade maior, paga-se com impostos. É sustentável?



A diferença entre o 1% que a banca paga pelo dinheiro e os 6% que recebe pela dívida da Espanha, por exemplo, leva a uma situação na qual não se poderá pagar essa dívida, que se converterá na principal questão do orçamento. Creio que há cada vez mais consenso para que o BCE empreste diretamente aos Estados. Os Estatutos do banco central não lhe permitem, e nisso apoiam-se os alemães, mas encontramo-nos numa situação de exceção e há que impor uma decisão política. Os Estatutos são pura burocracia.



Porque vão ceder se se negaram até agora?



Porque já há sociedades que estão se sublevando. Na Grécia disparou o voto extremo. Na França temos cerca de 28% do eleitorado votando numa extrema direita que recusa a Europa e o euro. O respeito das normas está a levar a uma situação insustentável. Victor Hugo dizia que não há nada mais poderoso que uma ideia para a qual chegou o momento.



Está a Alemanha nesse momento?



A Alemanha prevê crescer este ano a 1% e começa a temer que, se as economias europeias não compram os seus produtos, a sua situação vai piorar. Os sindicatos lançaram uma ofensiva para pedir um aumento de salários. O trabalho alemão, que já é o mais caro da Europa, será ainda mais caro e terá mais dificuldade em vender os seus produtos. Os próprios dirigentes vão juntar-se à petição de crescimento.



Draghi advertiu que o país que reduzir a austeridade será imediatamente castigado pelo mercado. Hollande aguentará?



Eu penso que assistiremos a uma mobilização popular em França para que Hollande não repita os erros dos sociais-democratas de Grécia, Portugal e Espanha. O problema já não é só económico, mas sim político. Se não sairmos do atoleiro dos mercados, vamos ter uma Europa de extrema direita daqui a cinco anos.



Também há movimentos de mudança como o 15-M.



O que vimos no ano passado como o 15-M foi muito emocionante, toda uma geração a protestar com uma conceção muito exigente e pura da política e da democracia. É lamentável que essa gigantesca energia, por desconfiança para com a política, não tenha encontrado um modo de permanecer como movimento reconhecível, com organização e liderança. Na minha opinião, o sentimento de asco para com a política de muitos jovens conduziu-os a um erro tático, por não se organizarem como formação, e a outro estratégico, porque não têm ferramenta, nem direta nem indireta, de conquista de poder.



Que solução vê para o desemprego juvenil?



Está a perder-se uma geração inteira, apesar de ser a melhor formada da história dos nossos países. É um tremendo desperdício humano e é urgente encontrar soluções com imaginação, lançar planos de reindustrialização e de relocalização, um grande plano Marshall de emprego para a juventude. A Europa está socialmente destruída, como o esteve materialmente após a II Guerra Mundial.



Perde-se a geração melhor formada e força-se a que a próxima já não o seja. Por quê?



Todos os movimentos neoliberais cortaram na educação. É a renúncia a um dos fundamentos da democracia, a igualdade de oportunidades, e isso é insuportável. A classe média está-se a desclassificar, um fenómeno que não conhecíamos. Deixa-se de pertencer a uma classe à qual se chegou com gerações de esforços.



Quanto vai custar recuperar esse caminho?



Há que refletir porque, pouco a pouco e de forma silenciosa, foram-nos encerrando numa estrutura política em que as decisões são muito limitadas, na qual uma mudança de Governo não muda grande coisa porque se aplicam regras que não se podem modificar. Assistimos a uma redução da democracia e a uma preponderância do poder financeiro sobre o político. O Mecanismo Europeu de Estabilidade, que é uma prisão jurídica, está a ser ratificado sem debate.



Não foi mudado nada do sistema financeiro.



Se não se controlar os mercados, não sairemos disto. Há que regulamentá-los, dissociar a banca de poupança da especulativa, impor impostos sobre os rendimentos de capital como existem sobre o trabalho e dotar-se de um sistema que permita aos políticos pôr limites ao mercado. Ou acontece isso ou passaremos a uma nova estrutura política desconhecida até agora.

(*) Publicado em Más Público.org, tradução de Carlos Santos para Esquerda.net





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