2/26/2012



DESTAQUE 
Texto de  Diogo Teixeira
http://noticias.sapo.pt/economia/ , 26-02-2012, 17.55 H




Depois de ter lido vários obituários sobre a dívida portuguesa escritos por analistas anglo-saxónicos, não pude deixar de notar que muitas das afirmações escritas baseiam-se em atalhos simplistas entre a situação grega e portuguesa. Grécia e Portugal seguem caminhos muito diferentes. Uma leitura um pouco mais profunda das diferenças entre a Grécia e Portugal pode consolar-nos sobre o futuro do nosso país:

• Ao contrário da Grécia, os níveis de dívida em Portugal são superáveis. Portugal termina 2011 com um défice orçamental de 4,0% e uma dívida pública total ligeiramente superior a 100% do PIB. Seria preciso muita má fé para considerar esses níveis comparáveis com os da Grécia, que tem uma dívida total de cerca de 165%, e um desequilíbrio anual que continua superior a 10% em 2011.
• Mesmo que parte deste bom resultado tenha sido conseguido através de medidas excepcionais , não podemos esquecer que o programa de ajustamento só começou há seis meses. A velocidade com que foi conseguido o ajustamento orçamental do país é o resultado de profundas diferenças entre a Grécia e Portugal: a vontade e capacidade de acção do executivo, o nível de aceitação pela população, um sistema de cobrança de impostos sob controlo.



• A economia portuguesa mostra a sua capacidade de reacção face aos desafios de um crescimento sustentável. Contrariamente à Grécia que sofreu uma inflação salarial sem precedentes na última década, o tecido industrial português beneficia de condições para rapidamente captar os ganhos de produtividade trazidos pelas reformas estruturais que estão a ser implementadas. Sinal dessa capacidade, durante o período Setembro-Novembro de 2011 as exportações portuguesas aumentaram 15,1% em relação ao período homólogo de 2010, enquanto as importações caíram 3,6%.



É possível cumprir o calendário para o regresso aos mercados. Mesmo quando a sustentabilidade da dívida portuguesa não é posta em causa, os "pessimistas" lembram-nos que o cronograma estabelecido pelo plano da Troika para Portugal implica um regresso aos mercados já em Maio de 2013. Dada a taxa de 15% actualmente exigida nas obrigações a 10 anos, um regresso aos mercados requer, sem dúvida, que a confiança dos investidores seja previamente restaurada. Será isso impossível em 16 meses? As taxas de juro da dívida irlandesa para o mesmo prazo caíram desde Julho de 2011, ou seja em apenas seis meses, de 13,8% para pouco mais de 7%. Isso pode não acontecer tão rapidamente com Portugal. Mesmo assim, quem acredita que a Europa e o FMI recusem estender por alguns meses o seu apoio a um país que terá restaurado a sua solvência, com base no único critério que o calendário deve ser seguido? Difícil de imaginar. Uma reestruturação teria o efeito inverso: o país necessitaria de um apoio muito mais prolongado por parte do FMI e do EFSF / MES.



Como para muitos raciocínios, uma prova por contradição permite uma verificação rápida da sua validade, imaginemos que Portugal é obrigado a reestruturar a sua dívida. Uma reestruturação de 10% ou mesmo 20% não faz sentido. O benefício obtido seria ridículo em comparação com os seus custos políticos e económicos. Vamos partir para uma hipótese de 30%. Qual seria o resultado imediato? Portugal ficaria com um nível de dívida menor do que a França ou mesmo a Alemanha. Bancos franceses e alemães sofreriam pesadas perdas directas e indirectas, mesmo sem tomar em consideração eventuais efeitos de contágio para a Itália e Espanha.
Infelizmente, muitos analistas parecem estar mais interessados na preparação de um novo terreno de jogo para traders em busca de acção, do que em tomar o tempo necessário para uma análise mais profunda da situação portuguesa. Infelizmente, o efeito auto-realizador das suas profecias é suficientemente forte para impedir que eles sejam ultrapassados pela realidade. O inimigo de Portugal não é o mercado financeiro, mas a ignorância dos factos.



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