12/24/2013

19 A mãe e os irmãos de Jesus foram vê-lo, mas não conseguiam aproximar-se dele, por causa da multidão.
20 Alguém lhe disse: "Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e querem ver-te".
21 Ele lhe respondeu: "Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a praticam".
Lucas 8


Oh vós outros que fizesteis filhos, juntasteis esposas e constituísteis famílias, eu vos saúdo, esta é a vossa noite, eia várias vezes e sede felizes! Senti o bafo dos parentes, o calor do lar e os afagos dos netos, mais a paga dos sacrifícios em nome da palavra dita “ Ide e multiplicai-vos!” E assim fizestes, e assim crescesteis e deste modo mereceis homílias e louvores, abonos de família e prémios de fertilidade!
Eu, que me afastei, que repudiei pai e mãe para ser do mundo e mundo me tornei, eis que  ora digo: basta de ver as coisas por um só prisma e floresçam mil caleidoscópios!
Eu, e os meus gado, eu e os meus outrora criados doravante empregados  e amanhã sabe-se lá o quê, eu e o meu homem, e eu, mulher,  aqui enlaçada na minha amiga, queremos também desse naco de rei, dessa mesa que ora se estende e é também nossa, pois família somos! Sem filhos, sem fêmea ou macho mas machos e fêmeas  e mesmo tu, só, e Único, não digas que não nos pertences, pois bem alto clamaste – “Quem é minha mãe, quem são meus irmãos?", -  lembras?, logo trocando-os por este mundo.
Assim, eu só, vestido apenas de estrelas, com o azur por abafo e o luar por ‘conchego,  sinto-me de ti e não blasfemo, apesar de sem filhos, apesar de sem esposa, neto, bisnetos, descendência, enfim, além da que lanço e dou ao vento. Sim, a minha progénie é fátua, etérea, nula mas o mundo a colhe e ma devolve tornando-me menos só se é que a solidão num orbe de massa não traz antes a purificação do que não cola nem gruda e, logo, não cristaliza. Sim, eu o só, eu o sem mulher, eu o sem filho, eu o sem eira nem beira e que às telhas abomino, quais lares de que fujo para me sentir sempre inteiro, eu o asco que não quer companhia nem hálitos humanos à volta, todo em desumanidade me vindo e escoando universo. Eu, o nada, o gasoso, o vinho sem boca, o deus sem crente ou o crente sem quem, o que não procria ou o fértil que se castra, em suma!  E que importa? A felicidade é minha, inda que dela não saiba senão a busca e nisso igual a qualquer lar, pátria, altar ou o que seja e, provavelmente, também desespero!
Vem, sim, Tu que nesta noite natalícia te enfeitas e dizes Tua, vem e sê-me a companhia, pois eu a todos quero da mesma forma que outros ao filho, ao neto, à esposa, em acordo com o Teu verbo de que “mãe e irmãos são-me os que O ouvem e praticam!” oh, eu não Te acredito mas é verdade que sigo, como cego que não vê o caminho e todavia vai, nem já sabe porquê mas de certeza porque não pode fazer outra coisa! Pois haverá outra possibilidade além da de querer ao vizinho como a nós mesmos, respeitar a outrem – verme ou humano -  como se os foramos? Por isso, meu igual e meu pária, Tu que recusaste família e morreste só na cruz – ou lá o que foi que depois de ti contaram! – Tu, que sofreste a ignomínia e a cicuta – e também te chamaste Sócrates - contenta-te agora da minha companhia, pois te pertenço e todavia fujo,  sempre na ânsia de chegar mais além, a mais outro e outra ainda e não ser presa de ninguém. Não, não tenho medo da via mas não me prendas, não me queiras Teu, pois não Te sou e muito menos de mim mesmo! (E tomara ser! Tomara ser todo eu… ) Mas o quê, também me chamam à porta? Como outrora Teus irmãos e tua mãe? Ora, quem os tenha logo os ature! Eu… Eu sou puro nada, suicidei-me nas alturas e agora… agora não sinto coisa alguma, mas dói-me toda a dor do mundo, sou a sua chaga absoluta. 
Que tenho a ver com o meu feliz irmão ou mãe?  Que riam e dancem as consoadas satisfeitas, a minha ceia é única e toda de gelo - ou rua - feita. A mesa… sou eu
Sofrimento, vem!



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