19 A mãe e os irmãos de Jesus foram vê-lo, mas não conseguiam
aproximar-se dele, por causa da multidão.
20 Alguém lhe disse: "Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e
querem ver-te".
21 Ele lhe respondeu: "Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem
a palavra de Deus e a praticam".
Lucas 8
Oh vós
outros que fizesteis filhos, juntasteis esposas e constituísteis famílias, eu
vos saúdo, esta é a vossa noite, eia várias vezes e sede felizes! Senti o bafo
dos parentes, o calor do lar e os afagos dos netos, mais a paga dos sacrifícios
em nome da palavra dita “ Ide e multiplicai-vos!” E assim fizestes, e assim
crescesteis e deste modo mereceis homílias e louvores, abonos de família e
prémios de fertilidade!
Eu, que me
afastei, que repudiei pai e mãe para ser do mundo e mundo me tornei, eis que ora digo: basta de ver as coisas por um só
prisma e floresçam mil caleidoscópios!
Eu, e os
meus gado, eu e os meus outrora criados doravante empregados e amanhã sabe-se lá o quê, eu e o meu homem,
e eu, mulher, aqui enlaçada na minha
amiga, queremos também desse naco de rei, dessa mesa que ora se estende e é
também nossa, pois família somos! Sem filhos, sem fêmea ou macho mas machos e
fêmeas e mesmo tu, só, e Único, não
digas que não nos pertences, pois bem alto clamaste – “Quem é minha mãe, quem são meus irmãos?", - lembras?, logo trocando-os por este mundo.
Assim, eu
só, vestido apenas de estrelas, com o azur por abafo e o luar por ‘conchego, sinto-me
de ti e não blasfemo, apesar de sem filhos, apesar de sem esposa, neto,
bisnetos, descendência, enfim, além da que lanço e dou ao vento. Sim, a minha
progénie é fátua, etérea, nula mas o mundo a colhe e ma devolve tornando-me
menos só se é que a solidão num orbe de massa não traz antes a purificação do
que não cola nem gruda e, logo, não cristaliza. Sim, eu o só, eu o sem mulher,
eu o sem filho, eu o sem eira nem beira e que às telhas abomino, quais lares de
que fujo para me sentir sempre inteiro, eu o asco que não quer companhia nem hálitos
humanos à volta, todo em desumanidade me vindo e escoando universo. Eu, o nada,
o gasoso, o vinho sem boca, o deus sem crente ou o crente sem quem, o que não
procria ou o fértil que se castra, em suma! E que importa? A felicidade é minha, inda que
dela não saiba senão a busca e nisso igual a qualquer lar, pátria, altar ou o
que seja e, provavelmente, também desespero!
Vem, sim, Tu que nesta noite natalícia te enfeitas e dizes Tua,
vem e sê-me a companhia, pois eu a todos quero da mesma forma que outros ao
filho, ao neto, à esposa, em acordo com o Teu verbo de que “mãe e irmãos são-me
os que O ouvem e praticam!” oh, eu não Te acredito mas é verdade que sigo, como
cego que não vê o caminho e todavia vai, nem já sabe porquê mas de certeza porque
não pode fazer outra coisa! Pois haverá outra possibilidade além da de querer
ao vizinho como a nós mesmos, respeitar a outrem – verme ou humano - como se os foramos? Por isso, meu igual e meu
pária, Tu que recusaste família e morreste só na cruz – ou lá o que foi que
depois de ti contaram! – Tu, que sofreste a ignomínia e a cicuta – e também te
chamaste Sócrates - contenta-te agora da minha companhia, pois te pertenço e
todavia fujo, sempre na ânsia de chegar
mais além, a mais outro e outra ainda e não ser presa de ninguém. Não, não tenho
medo da via mas não me prendas, não me queiras Teu, pois não Te sou e muito
menos de mim mesmo! (E tomara ser! Tomara ser todo eu… ) Mas o quê, também me chamam
à porta? Como outrora Teus irmãos e tua mãe? Ora, quem os tenha logo os ature!
Eu… Eu sou puro nada, suicidei-me nas alturas e agora… agora não sinto coisa
alguma, mas dói-me toda a dor do mundo, sou a sua chaga absoluta.
Que tenho a ver com o meu feliz irmão ou mãe? Que riam e dancem as consoadas satisfeitas, a
minha ceia é única e toda de gelo - ou rua - feita. A mesa… sou eu
Sofrimento, vem!