3/01/2008

POEMA 6

(...)
Como um sonho é esta tarde que tomba
e o nevoeiro que nos ramos se espessa
Com o frio perene das sombras.
E eu não sei se caminho por este cemitério
que é real no alto deste monte
com caminhos de candeeiros já acesos
ou se caminho pelos trânsitos quotidianos
da gente de lá fora
ou pelo cemitério indiscutivelmente real
do meu coração.
Se por acasao também eu sou somente
a máscara inventada da vida
por onde falam os mortos.
Não sei. Do que tenho agora apenas
alguma certeza é que sou um homem
que veio até aqui
para pôr flores no seu próprio túmulo
e que dá um passo e diz: Já está!
(extracto de "Um Mundo Apócrifo" de Diego Doncel, in Em Nenhum Paraíso, Lisboa, Averno, 2007)
Não sou cruel nem romântico, apenas não tenho ilusões a propósito de mim mesmo.
Gottried Benn

2/28/2008

FÍSICA 4

REEVES, Hubert, Ciência dos Átomos e das Galáxias, Lisboa, Gradiva, 2008
“No imenso calor do Big-Bang, as reacções de criação e aniquilação de pares, parecidas com as que criamos em laboratório, eram omnipresentes e inumeráveis. Consequentemente nos primeiros tempos do universo, as populações de partículas de matéria e de anti-matéria deviam ser estritamente iguais. Contudo, ao longo do arrefecimento, durante os primeiros micro-segundos do cosmos, produziram-se fenómenos chamados de “transição de fase”. (…) Estas transições de fase deram origem a um pouco mais de matéria. (…) Então a matéria, arrefecida pela expansão, deixou de estar suficientemente quente (já não tinha suficiente energia) para engendrar novas criações de pares. (…) Pelo contrário, as aniquilações de pares, que não exigem energia, mas ao contrário libertam bastante, continuavam a produzir-se. Assim, em seguida, cada partícula de anti-matéria pôde encontrar um parceiro de matéria e aniquilar-se com ele. A anti-matéria desaparece do universo neste período. (…) Mas, e reside aqui o ponto crucial, o minúsculo excesso de matéria produzido anteriormente não pôde encontrar parceiro para se aniquilar (…) E foi deste pequeno excesso que o nosso universo se formou. (Págs 148,9)

“Um quark é uma partícula que não suporta a solidão. Deve estar sempe rodeada de outros quarks. Quanto mais se tenta afastá-lo dos seus vizinhos, mais aumenta a força que os atrai, é impossível isolá-los” (pág. 157)

“A presença de um buraco negro colossal no centro de uma glaxia parece ser um fenómeno universal. As duas estruturas terão aparecido simultaneamente, sem que saibamos precisamente como isso se passou. Supomos que uma parte da matéria da galáxia em formação não se põe em órbita circular, mas recai ao centro, formando assim o buraco negro. Este colapso provoca a emissão de potente radiação energética (o quasar) descrito precedentemente. Mas quando a galáxia completa a sua formação, o fluxo de matéria que se dirige para o buraco negro diminui progressivamente (…) Se não houver outros acontecimentos a estimulá-lo ocasionalmente, apagar-se-à” (págs. 91,2)

“Simplificando eis o que diz a teoria da relatividade geral: a massa dos objectos modifica a geometria do espaço em volta deles. Esta deformação manifesta-se sob a forma de uma curvatura local do espaço. Esta curvatura influencia os movimentos dos corpos neste espaço. Um exemplo: a curvatura do espaço provocada pela massa da Terra constrange a Lua (e todas os satélites artificiais) a girarem em volta do nosso planeta em vez de escaparem em direcção aos espaços” longínquos. Esta curvatura é a corrente que os retém presos. Na realidade, pode-se exprimir a situação da seguinte amneira: a Lua desloca-se sobre carris imateriais, curvados pelo campo de gravidade terrestre, que a trazem sem fim sobre a mesma órbita. (…) A analise da radiação de fundo mostrou que, à escala do universo observável, o espaço cósmico não tem curvatura. (Pág. 127)

Einstein: Não me diga que a Lua não existe quando não estou a olhar para ela!
Bohr: Como quer que saiba? (citado pág. 134)

2/27/2008

TEATRO 13 Teatro de "baba e ranho", a partir de duas peças: Amador e Stabat Matter, exibidas pelos Artistas Unidos, de Lisboa


As peças Stabat Matter e o Amador configuram aquilo a que chamo teatro de "baba e ranho". Explico:
1. As personagens deste género dramático apresentam-se num estado de desespero.
2. Este desespero surge numa forma circular, isto é, nunca é explicada uma razão social/económica/política para esse facto psicológico, pelo que o desespero se alimenta, por fim, de si mesmo.
3. As razões do desespero - quando surgem - são sempre do foro psicológico, devidas à psique do Outro, em regra um "Ele/a(s)" ausente.
4. O Espectador(a) serve de confessor, tornando-se no ouvinte privilegiado do "caso" da personagem (o dispositivo espaço italiano acentua a função voyeurista do público).
6. Este teatro, devedor do big brother, espelha uma sociedade que tudo traduz por razões psicológicas: a casa do brother é um universo de psiques auto-suficientes, para as quais a dimensão económico/social e política se reduz a um "Ele" distante: fornece, filma, vigia, premeia e castiga os habitantes da Casa e nunca se explica/justifica.
Em Amador o protagonista – crítico de teatro - barafusta contra um determinada dramaturgia que apelida de “morta”, fazendo entretanto a apologia do teatro “vivo”, lá onde sucede a vida e a morte. Ao mesmo tempo, no seu próprio lar, ocorrem actos de vida e de morte de que o protagonista se alheia. O cruzamento de ambas as realidades resulta num elogio da cena a que o Espectador(a) assiste, cheia de gritos, exaltações, baba e ranho, em suma. E é aqui que a peça se fecha, ao desligar a personagem do social/político que a produz, fazendo-a agir num circuito fechado: o desespero aumenta o desespero, as lágrimas chamam as lágrimas e o Espectador(a) assiste, do princípio ao fim, a desabafos e confissões. É verdade que a personagem acusa uma certa estética como causa da sua irritação. Mas nada explica a existência dessa mesma estética e a sua filiação é simplesmente atribuída a um "eles".
Em Stabat Matter uma mulher reclama contra uma ausência. E que diz? Lamenta-se e enfurece-se contra alguém que falta ao encontro. São cinquenta minutos de verborreia contra o Outro e esta revolta é-o contra um "Ele", cuja ausência é linguísticamente dupla, pois o pronome pessoal da terceira pessoa, “Ele”, denota já, como se sabe, uma ausência. No final a mulher irá embora, depois de confessar o seu "caso", castigando com a sua partida a dupla ausência, a do tal "Ele" que também nunca chegou.
Esta atribuição da culpa a um "Ele(s)" consubstancia o conhecido processo da vitimação: “Eles” - o mundo, a sociedade, os mandantes, o Outro, enfim, são os culpados do mal da personagem que se apresenta como lugar de sofrimento, cuja expressão se esgota em si mesma.
E resta então chorar baba e ranho, lamentar/confessar a sua impotência no “ombro” do Espectador, expressando um mal nunca fundamentado económico/social ou politicamente. (Em Stabat Matter a certa altura chega a dar a impressão que o “mal” está na sexualidade do tal “ele”!)
A projecção da figura do "inimigo" num “Ele” identifica-se com os que citam o governo como o universo de um mítico “Eles”.
Numa tal visão, a sociedade divide-se em duas castas sem ligação, embora as “vítimas” elejam periodicamente os respectivos “carrascos”: de um lado “Eles”, os “maus”, na outra um "Eu” choroso e vitimado. A união de vários "Eus" para constituir um "Eles" alternativo não surge nunca como hipótese possível.
Trata-de, pois, de duas peças – Amador e Stabat Mater - filhas directa da sociedade big-brother ou do “jornalismo popular” onde, à semelhança da célebre casa, tudo se dimensiona no psicológico, esvaziado do seu contexto económico/político.
O teatro de “baba e ranho” agrada tanto mais quanto satisfaz o universo pequeno-burguês – a sociedade ocidental tornou-se, para o bem e para mal, pequeno-burguesa – preso, por antecedentes ainda recentes no tempo, ao campesinato, ao seu atávico conservadorismo e intervenção social sempre historicamente epidérmica e sem grandes perspectivas.
E todavia a Terra muda…
CGM

2/26/2008

FUTUROLOGIA 2

BROCKMAN, Jonh, coord, Grandes Ideias Impossíveis de Provar, Lisboa, ed. Tinta da China, 2008.
Danniel C. Dennett:
“Acredito, mas não posso ainda prová-lo que a aquisição de uma linguagem humana (oral ou gestual) é uma pre-condição necessária para a consciência – no sentido de existir um sujeito, um “eu”, um “algo que seja como ser aquilo”. Daqui decorreria que os animais não humanos e as crianças pré-linguísticas (…) não são realmente conscientes, neste sentido profundo: não existe ainda um sujeito organizado que seja o usufruidor ou o sofredor, alguém que seja o proprietário de experiências, por comparação com um mero locus cerebral de efeitos” (pág. 156)
Robert R. Provine:
"Em vez de nos perguntarmos se outros animais são conscientes, ou se têm uma consciência diferente da nossa, mais ou menos elevada, não deveríamos antes perguntarmo-nos se o nosso comportamento não estará sob um controlo semelhante ao deles?" (pág. 180)
Alex Pentland:
"Pode ser útil começar a pensar nos seres humanos como detentores de uma mente tribal, colectiva, para além das suas mentes pessoais" (pág. 190)
Irene Pepperberg:
"O trabalho nos neurónios-espelho, isto é, neurónios que disparam ambos quando um deles exerce uma determinada acção e quando um observa o outro a executá-la - ao longo da ultima década forneceu provas intrigantes (embora não sólidas) que fundamentam as origens gestuais da fala" (pág. 191)
Brian Godwin:
"Acredito que a natureza e a cultura podem ser entendidas como um processo unificado" (pág. 204)

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