3/15/2013

Textos de Gonçalo Barra


Para Joana

Tudo por agora
As palavras seguem os sonhos quando a hora é grave, e tudo está mergulhado na alma, corpo, esperança, e memória, tudo feito coração e história. A boca fala muda, os olhos brilham com saudade do possível, as mãos acariciam a fantasia, no limbo da existência menos que plena. Tudo em redor é calmo, como a gestação que desponta, e tudo é significado de amanhã, sem ser tarde, nem longe. Tudo é o que se decide.

Leve sorrir
Floris e no canteiro do teu sorriso tudo fica mais leve, como se o teu coração fosse uma garça, abrindo as asas para voar, e pétalas de rosas e lírios convidam nobres abelhas, tão trabalhadoras, para polinizar o mundo com amizades, tanto novas, quanto velhas, que são a tua cultura de todas as horas.

Primeiro tempo
Se fechando a porta fosse abrindo a janela ao mundo, se fechando a janela o postigo fosse a saída para um horizonte pleno e profundo, se fechando tudo ainda assim, o olhar quebrasse qualquer muro, como o tempo faz aos ponteiros dos relógios, se caíssem todas as barreiras no acordar do Sol,  e tudo a nu fizesse destes tempos os primeiros.

Para Anita

Desejo
Sei dum cume onde duas colinas cortam o sol nascente, arqueiam como adros de convento, em portais góticos geminados sem ciúme, ornados de rosas brancas fragrantes e gentis, de neve quente, flores paradoxais em seio de gente, assentes em quadris, como ponte sobre barcas de prazer, a baloiçar sob a cintura, fina e curva como a própria base da ternura, desenvolta em torso, onde habita esconso um vulcão, que irrompe em esforço fuste acima, e deixa a bater louco o coração, na verdade, sei apenas dum corpo de mulher menina, que tem pernas como rios que correm, um para o outro, como amantes a fugir à solidão, e formam torrentes de fantasia a inundar a imaginação, deste que vos guia, ao olhar estampado de paixão, aos braços de vento que há-de abraçar um dia.









Anda
Vem transformar a tarde de cinza numa noite de prata, se fores raposa traz-me a carícia suave e quente, se fores marta, quero percorrer os dedos pela seda do teu pelo, traz-me confiança e não deixes gelar as minhas mãos, nem o pensamento, sê o meu animal de estimação, fiel e irrequieto, mas nem submisso nem desistente, e eu serei animal, tal como tu, vestido de gente, e no quarto onde estivermos crescerá mata, e no escuro haverá luz para guiar a tua pata, cor nos cheiros, e forma nos ruídos, e nessa intuição unidos, ao luar deixaremos uma marca sobreposta, uma sombra ondulante e maior, faremos da montanha mar e do medo amor.


Agora
Desenho um coração, dois círculos e um triângulo, e logo em perseguição, esse mote feito ponta duma seta, me arrasta a uma velocidade imaginária, para a corrida do amor, que antes de partir já está na meta, daí arrancam desejos paralelos, uns são feios, outros belos, depende dos teus olhos sobre eles, quererem plantar-lhes o feitio, e mudar-lhes o tropel, apenas os cegos ficam imunes à divisória, ignaros se partiram ou chegaram, sem sentir limão ou mel, por se perder e insistem na hora em que, passado o cabo fundo do cansaço, pela tua mão se vão embora, sem repouso no teu colo, ou nele com premiada demora, e se nessa sorte quer este coração vencer a morte, e ter ultrapassado o belo, continua pela noite à espera da aurora.

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