Para Joana
Tudo por agora
As palavras seguem os sonhos quando a hora é grave, e
tudo está mergulhado na alma, corpo, esperança, e memória, tudo feito coração e
história. A boca fala muda, os olhos brilham com saudade do possível, as mãos
acariciam a fantasia, no limbo da existência menos que plena. Tudo em redor é
calmo, como a gestação que desponta, e tudo é significado de amanhã, sem ser
tarde, nem longe. Tudo é o que se decide.
Leve sorrir
Floris e no canteiro do teu sorriso
tudo fica mais leve, como se o teu coração fosse uma garça, abrindo as asas
para voar, e pétalas de rosas e lírios convidam nobres abelhas, tão
trabalhadoras, para polinizar o mundo com amizades, tanto novas, quanto velhas,
que são a tua cultura de todas as horas.
Primeiro tempo
Se fechando a porta fosse abrindo a
janela ao mundo, se fechando a janela o postigo fosse a saída para um horizonte
pleno e profundo, se fechando tudo ainda assim, o olhar quebrasse qualquer
muro, como o tempo faz aos ponteiros dos relógios, se caíssem todas as
barreiras no acordar do Sol, e tudo a nu
fizesse destes tempos os primeiros.
Para Anita
Desejo
Sei dum cume onde duas
colinas cortam o sol nascente, arqueiam como adros de convento, em portais
góticos geminados sem ciúme, ornados de rosas brancas fragrantes e gentis, de
neve quente, flores paradoxais em seio de gente, assentes em quadris, como
ponte sobre barcas de prazer, a baloiçar sob a cintura, fina e curva como a
própria base da ternura, desenvolta em torso, onde habita esconso um vulcão, que
irrompe em esforço fuste acima, e deixa a bater louco o coração, na verdade,
sei apenas dum corpo de mulher menina, que tem pernas como rios que correm, um
para o outro, como amantes a fugir à solidão, e formam torrentes de fantasia a
inundar a imaginação, deste que vos guia, ao olhar estampado de paixão, aos
braços de vento que há-de abraçar um dia.
Anda
Vem transformar a tarde de cinza numa
noite de prata, se fores raposa traz-me a carícia suave e quente, se fores
marta, quero percorrer os dedos pela seda do teu pelo, traz-me confiança e não
deixes gelar as minhas mãos, nem o pensamento, sê o meu animal de estimação,
fiel e irrequieto, mas nem submisso nem desistente, e eu serei animal, tal como
tu, vestido de gente, e no quarto onde estivermos crescerá mata, e no escuro
haverá luz para guiar a tua pata, cor nos cheiros, e forma nos ruídos, e nessa
intuição unidos, ao luar deixaremos uma marca sobreposta, uma sombra ondulante
e maior, faremos da montanha mar e do medo amor.
Agora
Desenho um
coração, dois círculos e um triângulo, e logo em perseguição, esse mote feito
ponta duma seta, me arrasta a uma velocidade imaginária, para a corrida do
amor, que antes de partir já está na meta, daí arrancam desejos paralelos, uns
são feios, outros belos, depende dos teus olhos sobre eles, quererem
plantar-lhes o feitio, e mudar-lhes o tropel, apenas os cegos ficam imunes à
divisória, ignaros se partiram ou chegaram, sem sentir limão ou mel, por se
perder e insistem na hora em que, passado o cabo fundo do cansaço, pela tua mão
se vão embora, sem repouso no teu colo, ou nele com premiada demora, e se nessa
sorte quer este coração vencer a morte, e ter ultrapassado o belo, continua
pela noite à espera da aurora.