ANTUNES, Carlos Maria, Atravessar a própria solidão. Chamamento à Vida Espiritual. Lisboa: Paulistas Editora, 2011 (Ca. 79 pp. e 6 euros)
"A escuta, ato infinitamente mais totalizante e profundo do que um simples ouvir, situa-se ao nível do coração, é portanto um genuíno movimento de amor. O mundo em que vivemos e o nosso próprio «mundo» interior (...) falam múltiplas línguas e evidenciam desarmonias. Importa viver esta fragilidade, ainda que assuma a forma de impotência e, diria mesmo, há que aprofundá-la como possibilidade de desconstrução de falsos conceitos e dogmas, a partir dos quais nos habituamos a viver e nos quais, acriticamente, nos apoiamos. A escuta, em última análise, pode levar-nos a uma experiência de vazio de Deus - experiência ao mesmo tempo dolorosa e decisiva para um aprofundamento da fé onde haja lugar paa a compreensão da descrença.
A escuta é por sua própria natureza, anti-idolátrica, recusando assim todas as formas de dogmatismo e de fundamentalismo." (p. 40)
"Habituar-se a si mesmo estimula o contacto com o que nos é próprio - vivemos frequentemente separados de nós mesmos - habituar-se a si próprio facilita o familiarizar-se com os próprios pensamentos, sentimentos, emoções, reações... - estamos tão pouco conscientes do que se passa dentro de nós - habituar-se a si mesmo prefere o caminho para o próprio conhecimento, a partir do qual vamos aprendendo a nomear o que vai sucedendo na nossa mente e nosso coração - que longe estamos de ver o falso como falso e o verdadeiro como verdadeiro. Esta solidão - habituar-se a si mesmo - é um magnífico lugar para nos convertermos em caçadores especialistas das idas e vindas do nosso comportamento, que tantas vezes é compulsivo, automático e irreflexivo; é também uma oportunidade de ouro para deixar de fazer depender a nossa vida do que nos rodeia e decidir-nos a tomar a vida nas próprias mãos, responsabilizando-nos por ela» (1) (p. 21)
(1) Carlos Gutierrez Cuartango, «Como evangelizar hoy desde la vida monástica» in Nova et Vetera ano XXXIII, nº 68 Julho - Dezenbro 2009, 357-358.
"Abertura diante do que não era esperado (...) Abertura ao abandono, como confiança. Não se erguer como protagonista do processo. Atenção a tudo o que se está a viver. Atenção ao que parece contraditório (...) o apelo é claro: tens de caminhar para dentro de ti mesmo. Poderás sentir medo, vergonha, culpa. Simplesmente caminhar, aberto e atento, ainda que na obscuridade" (p. 53)
"A solidão aceite leva-nos necessariamente a experimentar a nossa imensa vulnerabilidade. Somos homens e mulheres habitados por muitos medos, inseguranças, pela culpa. Recusamos tantas vezes, inconscientemente, confrontarmo-nos com todo este mundo que reflecte bem a nossa história. Recusamo-nos, ainda que muito do nosso sofrimento tenha origem precisamente aqui. Dizia Carl Gustav Jung «o pior inimigo está dentro de nós próprios»