8/04/2011

ANTUNES, Carlos Maria, Atravessar a própria solidão. Chamamento à Vida Espiritual. Lisboa: Paulistas Editora, 2011 (Ca. 79 pp. e 6 euros)



"A escuta, ato infinitamente mais totalizante e profundo do que um simples ouvir, situa-se ao nível do coração, é portanto um genuíno movimento de amor. O mundo em que vivemos e o nosso próprio «mundo»  interior (...) falam múltiplas línguas e evidenciam desarmonias. Importa viver esta fragilidade, ainda que assuma a forma de impotência e,  diria mesmo, há que aprofundá-la como possibilidade de desconstrução de falsos conceitos e dogmas, a partir dos quais nos habituamos a viver e nos quais, acriticamente, nos apoiamos. A escuta, em última análise, pode levar-nos a uma experiência de vazio de Deus - experiência ao mesmo tempo dolorosa e decisiva para um aprofundamento da fé onde haja lugar paa a compreensão da descrença. 
A escuta é por sua própria natureza, anti-idolátrica, recusando assim todas as formas  de dogmatismo e de fundamentalismo." (p. 40)




"Habituar-se a si mesmo estimula o contacto com o que nos é próprio - vivemos frequentemente separados de nós mesmos - habituar-se a si próprio  facilita o familiarizar-se com os próprios pensamentos, sentimentos, emoções, reações... - estamos tão pouco conscientes do que se passa dentro de nós - habituar-se a si mesmo prefere o caminho para o próprio conhecimento, a partir do qual vamos aprendendo a nomear o que vai sucedendo na nossa mente e nosso coração - que longe estamos de ver o falso como falso e o verdadeiro como verdadeiro. Esta solidão - habituar-se a si mesmo - é um magnífico lugar para nos convertermos em caçadores especialistas das idas e vindas do nosso comportamento, que tantas vezes é compulsivo, automático e   irreflexivo; é também uma oportunidade de ouro para deixar de fazer depender a nossa vida do que nos rodeia e  decidir-nos a tomar a vida nas próprias mãos, responsabilizando-nos por ela» (1) (p. 21)
(1) Carlos Gutierrez Cuartango, «Como evangelizar hoy desde la vida monástica» in Nova et Vetera ano XXXIII, nº 68  Julho - Dezenbro 2009, 357-358.



"Abertura diante do que não era esperado (...) Abertura ao abandono, como confiança. Não se erguer como protagonista do processo. Atenção a tudo o que se está a viver. Atenção ao que parece contraditório (...) o apelo é claro: tens de caminhar para dentro de ti mesmo. Poderás sentir medo, vergonha, culpa. Simplesmente caminhar, aberto e atento, ainda que na obscuridade" (p. 53)


 
"A solidão aceite leva-nos necessariamente a experimentar a nossa imensa vulnerabilidade. Somos homens e mulheres habitados por muitos medos, inseguranças, pela culpa. Recusamos tantas vezes, inconscientemente, confrontarmo-nos com todo este mundo que reflecte bem a nossa história. Recusamo-nos, ainda que muito do nosso sofrimento tenha origem precisamente aqui. Dizia Carl Gustav Jung «o pior inimigo está dentro de nós próprios»




COSTA, Beatriz, Sem Papas na Língua Memórias. Lisboa: Publicações Europa-América, 1975

(ca. 290 pp e 140.00 Esc.)


“A minha alimentação eram os restos de comida que a patroa deixava juntar para mim, dizendo com muito «espírito»: «Em vez de deitar no lixo, leve isto prá gatinha!» Vinha tudo numa lata, que trouxera de Inglaterra os melhores caramelos do munco! Uma criança loura, rosada e feliz sorria para mim durante essas refeições com restos «de ontem e de hoje»! Esse anjo gravado naquela lata, até hoje está na minha retina, como uma das coisas mais lindas que acompanharam os meus primeros anos. Quando a latinha chegava, era ver os saltos de gafanhoto, que passara o dia com um bocadinho de pão. Vinha tudo misturado. Ossos com pedacinhos de carne. Restos de peixe frito já dentado. Pão mordido, arroz misturado com restos de fruta, etc.!... Como ligava bem a carne com peixe frito! Até hoje sou louca por essa combinação. Bife com pescada frita é delicioso! Comi muita porcaria mas nunca passei fome.” (p. 15)





“Aquela parente próxima, que vivia sob o mesmo tecto ,era uma autêntica figura de magia negra. Quando eu tinha nove anos levou-me àquele velhinho do armazém de fazendas na Rua Serpa Pinto em Tomar. (...) Fui levada de aperitivo a todos os senhores que me acariciavam mas não passavam disso, porque o medo é que guarda a vinha... Eu tinha verdeiro medo dessas saídas. Em Lisboa, com doze anos, continuei a servir de isca mas por pouco tempo. A entrada para o teatro pôs fim ao «divertimento» que me marcou para sempre.” (p. 23)





“A Praça da Figueira era um mundo pitoresco no centro de Lisboa. Hoje é um largo desbotado e árido. Enquanto as grandes capitais procuram conservar o melhor, nós estamos a demolir para transformar Lisboa numa cidade pirosa (...) Pobre cidade sem árvores, sem graça, sem conforto” (p. 117)





“Salazar que nunca se dignou sair da concha para prestigiar que espectáculo fosse, tinha «ouvido dizer» que eu era uma artista popular (...) e queria falar comigo. Eu não esquecia (...) as vezes em que chorei no camarim, quando recebia ordem do «cabrão da 1ª fila» para não repetir na 2ª sessão a brincadeira que tinha improvisado na 1ª...

(...)

Vivíamos um época em que falar era perigoso, por isso se «cochichava»

(...)

Na sala de espera também aguardava «vez» o Dr. Julio Dantas que era prato forte no anedotório das mesas d’ A Brasileira, depois do «Manifesto Anti-Dantas» do Almada Negreiros.

(...)

É difícil descrever o que foram esses 45 minutos de conversa com o homem que durante quase meio século pôs este país de óculos escuros, à luz da candeia. Falou-me da peça que eu tinha feito no Avenida, O Santo António. Pediu-me que lhe recitasse alguns trechos (...)



Santo António de Lisboa

Onde há tanta coisa boa

E que tanta «Bonba Dão»

Um milagre que se veja

Vou pedir-te, ó milagreiro,

Que não estendas a bandeja

Pois não temos mais dinheiro

Não és santo!!! És usurário”

Tudo cobras, tudo apontas

Nunca largas o rosário

Só... porque é feito de contas!



Perguntou-me quem era o autor. «Silva Tavares». «Tem espírito»... «E mais teria, Sr. Presidente do Conselho, se não fora a porca da censura que nos faz a vida negra.» Fingiu náo ter ouvido e mudou as agulhas.

(...)

Nunca mais o vi, mas continuei a sentir-lhe os efeitos... (pp. 140-2)





“Quando o tubo do meu oxigénio entupir, de uma coisa podem estar certos: fui de braço cansado de tanto manguito que tenho feito” (p. 151)

“O ilustre sábio Dr.Egas Moniz gostava de mim. Eu simpatzava com ele. Disse-me um dia o célebre Prémio Nobel de Medicina «A menina em um bom crâneo!...» Quem melhor do que ele o poderia afirmar? (p. 152)





“A quatro dias de viagem já me pedia que não o deixasse só e quando o nosso navio atracou no Rio já o pedido estava feito. Eu teria sido a sua terceira mulher. Foi o maior disparate da minha vida ter recusado aquela mão gorda, que era a do maior violoncelista do mundo: Pablo Casals” (p. 157)



“Orson Wells (...) Em Sevilha, Madrid, Roma e Paris quando me vê, dá um grito « Tiro-Liro- Liro! Tiro-Liro-Liro!» Era fã do meu número.


Lá em cima vem o Tiro-Liro-Liro,

Lá em baixo vem o Tiro-Liro-Ló! (p. 162)



 
“Querem remodelar o centro da vila! [ Cascais, N. de kriu] Se eles fossem remodelar o centro de uma coisa que eu cá sei..." (p. 207)



“Che Guevara e Gagarin (...) Recordo-os cada qual no seu género. Eram dois homens jovens. Che tinha os olhos muito parecidos com os de meu pai. (...) Gagarin era como um menino alegre” (p.228)



“O prémio à corista foi instituído por mim na melhor das intenções. Foi atribuído apenas duas vezes e ficou por isso mesmo (...) A Casa da Imprensa não se interessou pelo prémio, o Parque Mayer, como se tratava de uma corista, sorria...” (pp. 260,1)



“Procurei conhecer a vida e fazer dela não o que ela merece, mas o que eu quero que ela faça por mim!” (p. 262)



“O que seria um Vasco Santana sem aquele «cabrão da censura» na 1ª fila?” (p. 263)































8/03/2011

ISAACSON,Walter, Einstein. A Sua Vida e Universo. Lisboa: oficina do Livro, 2008 (ca. 522 pp e 9 euros)



«O que admiro nele, em particular, é a facilidade com que se adapta a novos conceitos. Não se prende a principios clássicos e quando confrontado com um problema de física, dispõe-se a analisar todas as probabilidades» (citação de Poincaré, p. 157)


"Einstein acreditava que a liberdade era a essencia. «O desenvolvimento da ciência e das actividades criativas do espírito», defendeu ele, «exige uma liberdade assente na independência do pensamento em relação às restrições do preconceito autoritário e social. O cultivo dessa liberdade deveria ser a tarefa fundamental do governo, pensava, e a missão da educação" (p.449)

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