7/21/2008

EXPOSIÇÂO 2

COW PARADE
As vacas servem para tudo: usam-se por baixo, ao lado, de frente, entre os cornos, montam-nas, naturalmente, roubam-lhe os adereços mais vulneraveis – há vacas com brincos e uma veste lingerie – e tambem já vi um cidadão pôr no cachaço da cow o seu "lulu", dizendo-lhe com ar peremptório “Aguenta-te!” como num rodeo onde o animal – o mais pequeno – devesse ser o cow boy, e tudo para a indispensavel foto.
As vacas servem para tudo e ainda só não vi uma reflexão sobre esta coisa de pegar em estátuas do ancestral animal e dá-las a pintar a artistas da nossa praça. Ou mais concretamente, sobre o que a maioria dos convidados reflectem na forma com que tratam o material base: a escultura realista do dito mamífero.
Mas também não há muito por onde variar: grande parte das vacas surgem travestidas de burguesas, encarnando os valores da sociedade que promove a cow parade e, assim, há ruminantes de lingerie – como já citei – cobertos com cores psicadélicas e frases "poéticas" vaquinhas da cor da nação, outra que fixa com o focinho uma bola, algumas delas mascaradas de camponezas, e poucas, muito poucas mesmo, onde a dignidade do animal não surge camuflada por um desejo de pô-lo ao serviço do que lhe é alheio, pois que tem a natureza a ver com símbolos do consumo ou entreténs de massa? Assim, há uma de luto, com um sinal de perigo a assinalá-la, outra onde a cor que a cobre evoca a sua representação real e lembro uma terceira com duas galinhas em cima e letreiro ao pescoço “O campo está vivo!”
Nesta coisa da cow parade – e para abreviar – o problema é que ainda existe algum campo e restam uma tantas vacas, das que não são assassinadas pelo “fast food!” (leia-se Peter Singer e a agricultura industrial) e logo, esta mostra de vaca não sabe a carne nem a peixe. A certeza que muitas crianças, a quem os pais fotografam junto à “vaquinha”, nunca viram o dito animal, a não ser esquartejado no prato, podendo mesmo imaginar a sua inexistência, e a cow parade – que poderia evocar algo definitivamente exterminado pela sociedade burguesa – o campo, o camponês e uma quantidade colossal de seres vivos – surge como a gargalhada no cemitério, quando o morto – a vaca, o campo ou o camponês - ainda batem na tampa do túmulo que os sufoca.
Cow parade, o escárneo a coroar a extinção da natureza, o seu emburguesamento, simbolizado na vaca que veste lingerie.


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