4/24/2008

ENTRANHA 6 Rua Augusta (2)

Nada é vão.
Esperava chegar ao contentor do entulho e, juntamente com as demais inutilidades que o tempo fabricou, atirar com um dos troféus ganhos num concurso de encenação, onde me atribuíram o segundo e o primeiro prémios - a estatueta relativa a este último safou-se do lixo porque no gabinete do conselho executivo da escola - a Passos Manuel - que então representava - mas pensava eu que, chegando ao entulho, a coisa correria calma, discreta e mesmo silenciosa, apesar do que carregava: um candeeiro, uma tenda, enfim, uma colecção de tralha, como num jogo de bonecas russas: difícil é deitar fora a primeira.
E todavia...
Todavia, no entulho, numa rua traseira à Augusta, logo dei com um grupo de imigrantes, porventura ciganos, metidos no contentor.
- Traz roupa, senhor? - perguntou um.
Não sou parvo, acho-me mesmo lúcido e desfazer-se de troféus exige despojamento. Mas praticá-lo perante os olhos ávidos de uma chusma de miseráveis é vitória sobre si próprio ou já vaidade redundante? E não desvalorizei eu o troféu - e ao seu companheiro primeiro, lá na escola porventura ainda a salvo - no dia em que os mesmos que, em nome das tais habilidades teatrais, mo entregaram, me recusaram um apoio para encenar?
Atacado por vozes e gente, já num turbilhão de sentimentos, atirei o símbolo para o contentor e logo mãos ávidas o agarraram:
- É pesado, senhor!
- E maciço! – desabafou outro.
Na hora da despedida o meu "óscar" teve finalmente a sua consagração.
Nada é vão.

1 comentário:

  1. Prof. no Passos?
    Fui lá aluno, em tempos que recordo com prazer...

    ResponderEliminar

Arquivo do blogue