10/04/2010

Chicoespertismo



O Chicoespertismo português é a arte do desenrascanço, auxiliada por mil expedientes para evitar o confronto com a realidade, com uma forma eficaz de resolver os problemas.


Utilizada em geral por toda a gente nascida neste quintal à beira mar, tem os seus fundamentos, quer num clima até há bem pouco favorável, que facilitou o vegetarismo, quer no exemplo das elites, primeiro aristocráticas e mais tarde aburguesadas, que tiveram o condão de encontrar sempre filões de exploração – Índias, ouro dos judeus/Brasil e, ultimamente, dinheiros da CEE – que lhes evitaram o trabalho de desenvolver/educar em casa, permitindo-lhe conviver com um povo bárbaro mas do qual, dadas as riquezas vindas das colónias/CEE, se puderam alhear/desprezar.



Com a Revolução dos Cravos estas elites suportaram o insuportável mas as manas elites doutras esferas vieram em seu socorro e injectaram biliões de contos que deram a ideia de que as coisas podiam entrar na santa ordem burguesa, com um povo finalmente educadinho, ordeiro e finalmente razoável. (Lembre-se a fama de país ingovernável de Portugal na Primeira República).



Mas a verdade é que, inculta na sua grande generalidade como sempre foi, esta elite vinte e cinco abrilista, substituindo melhor ou pior a mana aristocrática (que regressaria do Brasil com o FMI nos anos 80) não soube, a exemplo das suas congéneres europeias, perceber que precisava mesmo de um povo instruído e, em vez do pré-infantil (este só virá na década de noventa) deu-lhe… carros e estradas. (Nesta altura, sim, devia-se ter feito o TGV e o aeroporto.)



E o povo, que aprendera com as suas preguiçosas elites que “o trabalho é bom para o preto” mas que, com a industrialização dos anos cinquenta/sessenta começara, de facto, a aprender como se trabalhava no mundo moderno, através da Lisnave e outros (poucos) complexos industriais que o fascismo permitira, acaba, com os dinheiros da CEE, por ser obrigado a destruir tudo isso, condição do recebimento desses mesmos dinheiros que foram direitinhos, não para a formação desse mesmo povo mas para mais brinquedos (Expo 98, CCBs e, por último, estádios), cuja existência não causaria problema algum, se a sua construção fosse acompanhada por um intenso programa de educação popular.

Tal não sucedeu.

E cá estamos!

Mas que pode fazer uma elite sem o seu povo?

Nada.

E assim se chega ao puxão de orelhas de Bruxelas, dirigido por elites que aprenderam, a seu tempo, que um povo instruído é o melhor resguardo contra a revolução e que “pour cause” deram origem a uma classe média que tem governado os respectivos países.

Classe média, em Portugal, qu’é dela?

Esta elite, saída das velhas famílias aristocrato/salazaristas tem-na destruído - e veja-se o escândalo que lhes causou a ideia de alguém, que não fosse “Dr.“, a ocupar o lugar de primeiro-ministro! Porque é evidente que nova gente tem chegado ao poder para fazer o papel das velhas elites, já envelhecidas e sem pessoal do seu meio à altura. Mas os cordéis da governação, esses têm-se mantido soberbos, distantes e desprezando quanto é verdadeiramente democrático e popular! (Lembre-se, como exemplo, que o primeiro abrigo numa paragem da Carris apareceu – e na capital! - quinze anos depois da revolução e que um único passe para todos os transportes colectivos ainda não existe!! Mas quem usa o transporte colectivo? O povo? Ora toma lá uma confusão de cartões e lixa-te!)

Todavia nada mudou?

Claro que sim.

Desde que os puxões de orelhas de Bruxelas começaram, a democratização de Portugal (aquela que não consistiu em dar um carro a cada português) teve inicio e Guterres puxou pela Educação e Sócrates pela Formação, já digna desse nome ou a querer parecê-la.

Mas o caminho é difícil, tanto mais que se faz com grande atraso, além de que o Chicoespetismo (esse vício de não ser radical nas soluções) se instalou profundamente na sociedade portuguesa: na classe dominante, evitando-lhe aquilo que, de facto, poderia desenvolver o país e a ela própria, isto é, trocar o seu egoísmo bacoco por um “egoísmo esclarecido” (noblesse oblige!) e, no povo, um Chicoespertismo copiado, a seu modo, das elites, para se ver livre de um Estado pesado, explorador e, logicamente, estúpido. (Confrontado com uma elite moderna o Zé Povinho deixa de fazer de Chicoesperto e a sua excelente performance na imigração prova-o) mas este Chicoespertismo, como se dizia, tem impedido a resolução frontal e radical dos problemas, quer do povo quer da própria elite que, contra si mesma tem vegetado.

As últimas medidas do Sr. Sócrates são uma solução ou ainda uma Chicoespertice?

Veremos.


Carlos Gouveia Melo

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