3/11/2008

CRITICA 2 She will not live, performance de Hugo Calhim com Joana Von

Uma mulher no fundo de um espaço cénico olha-nos: eis o início de She will not live.
Movimentos, experiências com objectos – poucos – e, no final, é-nos enviado um berlinde virtual que nos dá a vez ou a acção. E digo “finalmente” porque durante a performance somos agarrados pela acção de Joana Von e é esta a qualidade de She will not live: absorve-nos e o que, de início, nos chama a atenção – uma mulher nua e estática olhando-nos do fundo do seu espaço - deixa de ter importância, porque a dita imagem se anula entre as actividades/acções que ela mesma leva a cabo: estar nua, ou pouco vestida, resumir-se-à então a um facto entre os demais.
Esta reificação de um corpo desnudo significa que a performer transmuta a sua nudez ao longo do espectáculo tornando-a parte do seu trabalho, utensílio, apenas. Como se o espectador assistisse ao suicídio de alguém, cuja morte entretanto esquecesse, apesar do suicida continuar na sua frente. Joana continua mais ou menos despida mas…
Porém que faz a intérprete de She will… para se subtrair à nossa devassa, com que nos entretém? Joga, coloca o seu corpo em confronto com objectos quotidianos – molas de pendurar roupa, uma garrafa – e é tudo tão despojado que, no fim do espectáculo, se fica com a impressão de ter assistido a nada. Na verdade testemunhou-se uma transubstanciação, tanto mais difícil quanto se trata, não só de um corpo no seu estado de esplendor físico, como ainda feminino, e logo, desde há milénios prisioneiro de um olhar, o masculino. Mas a transubstanciação dá-se. E, naturalmente em ritual, em absoluto silêncio, entrecortado apenas pelo som do seu próprio fabrico.
She will… trata de um corpo que, de objecto se ergue, através do jogo cénico, a sujeito, libertando-se do seu carrasco, no caso o voyeurismo.
Só o trabalho, entendido como acção sobre si mesmo/no mundo, conduz à autonomia, no caso concreto a da condição feminina, eis a “história” de She will not live, performance que se poderia também chamar “Requiem por um certo “She”.

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