3/21/2008

TESTEMUNHOS 2


FEYNMAN, Richard P., O significado de Tudo, Gradiva, 2ª ed. 2005 (três conferências proferidas em 1963.)

“A civilização ocidental, parece-me, assenta em duas grandes heranças: uma é o espírito científico, a aventura em direcção ao desconhecido, um desconhecido que tem de ser reconhecido como tal para ser explorado, a exigência de que os mistérios mais profundos do universo permanecem sem resposta, a atitude de que tudo é incerto. Em resumo: a humildade intelectual.
A outra grande herança é a ética cristã. A acção baseada no amor, a irmandade de todos os homens, o valor do indivíduo, a humildade do espírito. Estas duas heranças são lógica e profundamente consistentes. Mas não é tudo. Precisamos de coração para seguir uma ideia. Se as pessoas regressarem à religião a que estão a regressar? Será a igreja moderna um lugar que dê consolo a um homem que duvide de Deus? Mais, a um que não crê em Deus? Será a igreja moderna o lugar para confortar e encorajar alguém com estas dúvidas? Não teremos, até hoje, canalizado a força e consolo de cada uma destas heranças consistentes para atacar os valores da outra? Será isto inevitável? Como podemos canalizar a inspiração para sustentar estes dois pilares da civilização ocidental de modo que possam manter-se juntos com total vigor, sem receio um do outro? Isso não sei. Mas colocar esta interrogação é o melhor que posso fazer a propósito da relação entre a ciência e a religião que foi no passado, e ainda é, uma fonte de código moral, bem como de inspiração para seguir esse código.” (Págs. 56/7)

“Suponhamos que dois políticos concorrem à presidência e no contacto com os agricultores lhes perguntam: “o que tenciona fazer a propósito da questão agrícola?” Um deles sabe imediatamente o que deve fazer e responde – bang, bang, bang. O outro concorrente, por sua vez, afirma: “Bem, não sei. Sou general e nada sei de agricultura. Mas parece-me ser um problema muito difícil. (…) Portanto a maneira como entendo resolver o problema da agricultura é rodear-me das pessoas que sabem algo sobre ele, estudar todas as experiências que foram tentadas e despender algum tempo a ponderar e a tentar chegar a alguma conclusão sobre a possível solução de um modo razoável, não posso dizer-lhes agora, antecipadamente, qual vai ser essa conclusão mas posso indicar-lhes alguns princípios que tentarei seguir – não dificultar a vida dos agricultores individuais; se houver problemas arranjar um modo de tratar deles; etc.”.
É claro que neste país este homem nunca chegaria a lado algum. Faz parte da atitude mental da população o imperativo de responder e que um homem que dá uma resposta é melhor do que aquele que não responde, quando em muitos casos é precisamente o oposto. O resultado desta atitude é evidente, é que o político tem que dar uma resposta. E, resultado disso, é as promessas eleitorais nunca poderem ser cumpridas. É um facto mecânico: é impossível. E daí ninguém acreditar nas promessas eleitorais. E o resultado é o descrédito geral dos políticos, uma falta de respeito geral pelas pessoas que tentam resolver os problemas e a assim sucessivamente. Tudo isto é gerado desde o início (talvez – esta é uma análise simplificada). Talvez seja tudo gerado pelo facto de a atitude da população ser a de exigir uma resposta, em vez de tentar encontrar um homem que tenha uma maneira de chegar à resposta” (págs. 73/74)

“Portanto, em resumo, não pode provar-se nada a partir de uma ou duas ocorrências. Tudo deve ser cuidadosamente verificado. A não ser assim tornamo-nos naquelas pessoas que acreditam em toda a espécie de coisas loucas e não percebem nada do mundo em que vivem. Ninguém compreende o mundo em que vivemos mas alguns percebem bem mais do que outros” (pág. 90)

“O que estou a pedir em muitas direcções é uma honestidade humilde. Acho que devia haver uma honestidade mais humilde em questões políticas. E acho que desse modo seríamos mais livres.
Gostava de sublinhar que as pessoas não são honestas. Os cientistas também não são honestos. É inútil. Ninguém é honesto. Os cientistas não são honestos. E as pessoas habitualmente pensam que o são. Isso ainda é pior. Por honesto não pretendo dizer apenas que se diga a verdade. Mas que se esclareça toda a situação. Que se deixe bem claro toda a informação necessária para que alguém inteligente possa tirar as próprias conclusões.
Por exemplo, em relação aos testes nucleares não sei se sou a favor ou contra eles. (…) Por isso não estou a dizer de que lado estou. Por isso sobre este assunto, posso ser humildemente honesto. “ (Pág. 111)

“Há uma coisa sobre o futuro que vejo com optimismo. Acho que há muitas coisas a trabalhar na direcção correcta. Em primeiro lugar, o facto de haver tantas nações e de se darem ouvidos umas às outras em virtude da comunicação, mesmo que tentem fechar os ouvidos. Por isso, há toda a espécie de opiniões a circular e o resultado político é o de que é mais difícil eliminar as ideias. E algumas das dificuldades que os Russos estão a ter para controlar pessoas como o Sr. Nakhrasov são um tipo de dificuldades que espero continuem a desenvolver-se” (pág. 123)

“Portanto a questão consiste em saber se é possível fazer algo análogo (trabalhar por analogia) com os problemas morais. Creio que não é completamente impossível que haja acordos sobre as consequências, que concordemos com o resultado final, mas talvez não com as razões porque fazemos o que temos de fazer. (…) Considero, pois, a encíclica do papa João XXIII, que li, uma das mais importantes de todo o tempo e um grande passo em frente. Não consigo encontrar melhor expressão para as minhas crenças sobre a moralidade, os deveres e responsabilidades da humanidade, das pessoas umas com as outras, do que essa encíclica. Não concordo com alguma da maquinaria que sustenta algumas ideias, talvez imanem de Deus, pessoalmente não acredito (…) Não concordo mas não vou ridicularizá-lo nem sequer discutir. (…) E reconheço esta encíclica como o princípio, provavelmente de um futuro novo, em que talvez esqueçamos as teorias sobre as razões por que acreditamos nas coisas, dado que, no fim, e no que respeita à acção, acreditamos nas mesmas coisas” (Pág. 125)

3 comentários:

  1. Curioso ler este excerto, hoje dia de Pascoa. E é interessante pegares neste tema. Alguém dizia que algum conhecimento afastava de Deus mas que muito, aproximava. É admirável! Tão simples, tão abrngente, o essencial, os princípios que se perderam há muito neste mundo sujo da política.

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  2. Quão longe ainda estamos todos destes pensadores! Até quando este nível educacional do nosso povo. Num mundo onde reinassem pensadores destes não existiriam cenas triste como aquela que invadio net, telejornais e jornais, da guerra do telemovel entre professora e aluna.

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  3. Há inumeros livros acerca de Feynman, escritos por seus amigos, com conferências, etc. É de uma profunda simplicidade. Neste caso o Nóbel caíu mesmo bem!

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