3/16/2008

CRITICA TEATRO 1 "A Cabra ou quem é Sílvia?" na Comuna, em Lisboa, Agosto 05

O meu problema com o espectáculo que vi na Comuna sobre o texto A Cabra ou Quem É Silvia - Notas para uma definição da tragédia, de Albee, é o seguinte: percebo a encenação, acho-a coerente, de boCor do textom gosto, ajustada, certa, enfim, aplico-lhe todos os adjectivos possíveis a algo que faz um todo coerente e funciona esteticamente mas... não gosto da sua forma: tal é viável?
Pode isto consubstanciar uma crítica, isto é, tenho o direito de dizer: a coisa funciona bem mas ao lado, isto é, há qualquer coisa que menoriza a opção estética da encenação, no caso a apresentação daquele texto naquela moldura?
Posso criticar algo em nome de uma hipótese que lá não está quando o que vi fez sentido e serve (a meu ver, enfim, menos bem...) o texto?
Eis o "busilis" da questão: acho que a encenação da Comuna não esta à altura das implicações do texto, enfim, não o serve tanto como outra (a qual apenas intuo) e o que a seguir se escreve é fruto, pois, de uma frustração: a peça foi feita daquela forma, ela funciona mas...
Antes do mais situo a minha leitura dramaturgica do texto: o protagonista confronta-se com um dilema trágico pois entre as duas opções que se lhe apresentam (ficar com a cabra, perdendo a companhia da sociedade humana, ou abandonar a cabra, ficando junto dos seus iguais) ambas lhe são nefastas, pois acarretam uma perda: no primeiro caso, a dos seus pares, no segundo a da amada Silvia, a cabra. Este dilema é trágico e nele me baseio para classificar o texto "A Cabra..." como trágico, independentemente da acção se passar no mesmo lugar, em vinte e quatro horas, etc, etc. etc. exigências que o tempo, no meu entender de dramaturgo, varreu para reter apenas o principal, aquilo sem o qual não há de facto lugar a tragédia: um dilema trágico, sem solução satisfatória, com o qual se defronta um protagonista.
Ora, assim sendo - o próprio Albee alude a tragédia no subtítulo do seu texto - qualquer encenação da peça deve realçar este seu aspecto, subordinando-lhe todas as opções estéticas.
Ora é aqui, nesta zona da construção do espectáculo, que a minha divergência em relação à leitura cénica d' "A Cabra...", pela Comuna, se dá. Senão veja-se:
A comuna situou a cena numa sala de estar, cara ao velho "teatro de boulevard" e, logo por isso, dando ao espectador um sinal de que o conflito em cena versará o célebre problema do casal a braços com a infidelidade de um dos cônjugues, tratado naquela óptica que as ditas "peças de boulevard" utilizam para o efeito, cujo objectivo é sobretudo divertir.
É o que acontece n' A Cabra?
Não.
O adultério do protagonista é a tal ponto radical que coloca não só a esposa mas tambem a sociedade em causa.
A questão é de extrema gravidade e ultrapassa o ambito do casal.
Mas advogue eu contra a minha própria causa e, diga que o dispositivo cénico que a comuna escolheu, a propria encenação o destrói… Mas é ainda isto verdade? A cena em que a esposa enganada parte os "tarecos" da casa não se enquadra, afinal, numa banal fita de ciúmes?
E mais: o que se destrói são as paredes, isto é, os alicerces da "casa" ou apenas os adereços, enfim uma jarra, livros, isto é, "a loiça"?
Infelizmente é apenas isso o que sucede e assim se fundamenta a minha convicção de que a encenação do texto induz em erro o espectador, isto é, traduz pela bitola mínima o que Albee propõe pela sua genial pena.
A Cabra é um dos grandes textos de despedida do sec. XX e merece um tratamento á altura do que propõe como reflexão. De contrário o espectador, enganado, vai rindo com o drama burguês da mulher enganada por uma cabra e enfim, sai do teatro feliz com a anedota. Tanto mais que a dita cabra até surge, no fim, morta, numa prova ainda da tradução literal - e linear - com que o texto foi encenado.
Tudo na encenação que vi d' A Cabra no espaço da Comuna esteve coerente. Mas como talvez dissesse Galileu, referindo a Terra que desejavam fixa: e todavia ela move-se...
Última nota: alguém que reviu "A Cabra" no festival de Almada disse-me que, no espaço ao ar livre, o cenário da "sala de estar" não "colava" ao texto e que, por isso, a tragédia do tema sobressaía. Tal parecer dá-me razão? É que na sala da comuna, onde assisti ao espectáculo, nada distanciava o dispositivo cénico. E lá se estreou.

2 comentários:

  1. Anónimo2/9/10 17:21

    Também vi " A Cabra" e o "dispositivo cénico" era apenas simbólico. Foi a primeira vez que vi um cenário a transformar-se para uma outra realidade. Os adereços continham terra, sementes ou palha e no final da destruição conseguiu transportar-me para um espaço exterior - o habitat da Cabra ,para as "notas para uma definição da tragédia". Concordo que "fora de portas" o cenário não tenha resultado - o mesmo acontece com os espectáculos da Cornucópia e lamento que a crítica tenha sido tão pessoal e pessimista. Ass. M. Virgilio

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