6/14/2010

Texto publicado no site da Escola Fernão Mendes Pinto de Almada (adaptação)





“Mauern”, “Falo…” e “Rei Ubu”  no teatro Extremo

No dia 17 de Junho pelas 21.30 H será possível ver no Teatro Extremo, Rua Serpa Pinto, em Almada (Velha) o produto do meu trabalho artístico, assessorado dramaturgicamente pela Profª Lurdes Cruz, levado a cabo no ano lectivo de 2009/2010 na Escola.  

A sessão começará com “Mauern” (...) depois do qual estreará “Falo… Falas… Falamos? Exercício teatral sobre a linguagem e as suas silábicas questões” e, finalmente, “Rei Ubu”, de Alfred Jarry (extractos). 

 “Falo… Falas…” marcará a estreia do Grupo de Teatro Multicultural, cuja actividade se iniciou em Janeiro de 2010.

(...) eis algumas pistas de leitura, justificadas aqui pelo contexto pedagógico em que foram criadas:

1. “Mauern”: comecei a investigar o material que serviria de fundamento a “Mauern” em Junho de 2009. Mas decisiva foi a minha estadia em Agosto último, em Berlim, através de uma bolsa de estudo do Goethe Institut de Portugal, que me permitiu a descoberta da lápide que assinala, na Zimmerstrasse, o local onde agonizou Peter Fechter.
“Mauern” não é a primeira obra dedicada a Peter Fechter: logo após o seu assassínio diversos artistas lhe dedicaram obras e, na semana seguinte à da sua morte, realizou-se um concerto evocador do jovem de 18 anos que, ferido junto ao muro de Berlin quando tentava passá-lo, gritou por socorro cinquenta e um minutos, antes que as autoridades permitissem (tarde demais) socorrê-lo. Mauern é, pois, uma obra sobre a impiedade humana e, neste sentido, toda a violência que a peça possa expressar nunca excederá aquela – bem real – que lhe deu origem. 

Na construção dramaturgica de “Mauern”, além de escritos meus e do prólogo de autoria de Lurdes Cruz, utilizo textos de Goethe (alheio ao “consome e deita fora” ou exacerbação da “originalidade”, gosto de citar adereços/personagens das minhas obras anteriores: em “Mauern” reaparece o cão-Mefistófeles  do “Fausto”), assim como um extracto do “Despertar da Primavera”, de Wedkind, e ainda citações de Schiller e Lutero. Estes ingredientes constroem, sobre a tragédia de uma morte – a de Pet – o percurso de uma mãe -  Grete – em busca da sua criança desaparecida.  
No final o Coro dirá a Grete, que chora caída no chão: “Grete, steh auf!” (“Grete, levanta-te!”) enquanto avança direcção ao “muro”: um tal epílogo diz-me a mim, seu arquitecto, que ainda acredito na vitória do esforço humano.


2. “Falo… Falas… Falamos? Exercício teatral sobre a linguagem e as suas silábicas questões” corresponde a uma proposta para que tratasse a multiculturalidade presente na Escola, onde existe um número elevado de diferentes nacionalidades
A peça começa num tempo em que o humano mal se expressa - mas logo inventa a roda - e procura, através de breves quadros, transmitir os diversos usos da linguagem: o dar nomes às coisas, a aprendizagem da frase, no caso um poema de Camões, a sua utilização em diversos registos, a linguagem como ferramenta argumentativa (luta por um objecto) anestésica (quadro da canção de embalar) a fala-manipulatória – “Tu ficas com o papá!” -  a linguagem, enfim, do discurso político. Por último, as palavras amorosas, ou o encontro da “alma gémea”, o qual tudo apazigua, com a peça a voltar ao principio, embora noutro patamar evolutivo, dando entrada aos bebés que aprendem a falar e a fazer a roda. 
“Falo…Falas… “ procura explicar as diferenças culturais partindo da própria linguagem.  

3. “Rei Ubu” de Alfred Jarry (extractos)
A escolha dos extractos obedeceu à razão da sua encenação: trata-se do texto que o “Festival Studantesco Lingue in Scena” de Turim colocou como obrigatórios aos grupos participantes.
Talvez o caminho mais fácil para encenar “Ubu” seja o do grotesco, tirando partido da expressão desbragada das personagens.  
Não foi a opção.
Achando que “Ubu”, na sociedade de raiz democrática ocidental, é todo aquele que sonha elevar-se materialmente acima dos demais – quantos semanalmente vêem o euromilhões como uma solução de vida? – a encenação faz do personagem “Ubu” um cidadão comum: daí que o Poder surja cenicamente sustentado pelo sofrimento daqueles sobre os quais ele se eleva.
Mas o sonho embala o humano e, no final, o casal “Ubu” iguala qualquer par romântico que idealiza a sua estrada.
Homo hominis lupus?

Propositadamente falei até aqui das opções dramatúrgicas das três peças mas  não da forma que as embrulha ou… embala.
(...)
Quais são, pois, as minhas preferências estéticas, sob que roupagens gosto de vestir as obras que faço?
O meu trabalho cénico fundamenta-se no labor do actor (concordo com Grotowski quando diz que o teatro é apenas o que se passa entre um actor e um espectador) e, em cena, tudo o mais me parece circunstancial, ou de evitar. “Teatro nu”, portanto, para não lhe chamar “Pobre” como dizia o referido Grotowski. Não me lembro de colocar um disco a servir de banda sonora numa das minhas peças (é fácil reunir créditos à custa de excepcionais gravações) e, mesmo o nu, chamariz fácil de tanta obra, foi em “Mauern” que senti pela primeira vez a sua inapelável necessidade: como apresentar doutra forma a força energética (Baal?) que ri de todas as fardas, senão vestindo o personagem que a encarna apenas com a única veste de que, de facto, não nos podemos ver livres: o próprio corpo humano? (Por razões pedagógicas (?) este nu, todavia, não foi apresentado no contexto da Escola.)
Teatro essencial?
Teatro de facto nu?
(...) O espectador mais atento encontrará decerto outras pistas e, porventura, até contraditórias com as que sugiro. Pessoalmente gosto da contradição: a ela devemos a vida.
(...)
Nota: "Mauern" e "Rei Ubu" estrearam no "Festival Studentesco Lingue in Scena de Torino 2010".
"Mauern" é a versão original (em alemão) de "Muros", apresentado na Quinzena da Juventude de Almada em Março último.


Carlos Gouveia Melo
(Encenador/dramaturgo assistente na Escola Secundária Fernão Mendes Pinto)

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