12/01/2009

"Lua Nova" de Chris Weitz, visto por Carlos Melo

Imagine-se que lhe servem um prato de cozinha com tudo o que V. gosta e que, para cúmulo, quem lho oferece, sabendo-o(a) disponível para todas as aventuras e mostrando-se “bom partido” lhe pede, no final, casamento?

Não se sentiria “nas nuvens”?

Pois “às nuvens” é onde o filme “Lua Nova” leva o espectador e, face a este produto, a reacção oscila entre a paixão e o… nojo.

Paixão porque com tal iguaria V. não pode senão ficar pelo “beicinho” e nojo porque, ao distanciar-se um pouco – e já veremos que não é fácil para o espectador mais desprevenido fazê-lo – V. percebe que, afinal, o prato foi confeccionado, não pela criatividade do cozinheiro, isto é, numa homenagem ao que o humano tem de mais incomum e o diferencia dos restantes animais – a Arte – mas seguindo, à justa, uma receita comezinha, estudada ao pormenor, a fim de bajular o espectador, satisfazer-lhe todas as taras.

Senão vejamos:

Que coisas mais se desejam nesta vida, que sabemos mortal e cheia de escolhos, senão:

- Viver para sempre: o filme passa-se entre seres eternos.

- Amar a mesma pessoa toda a vida e, em igual medida, ser por ela correspondido: o casal protagonista do filme tem isso como pressuposto.

- Circular entre os mais “belos” exemplares da espécie humana, pois que no filme não há uma única personagem “defeituosa” (o único “gordo” que aparece, pertence à raça dos índios, o que o coloca fora do “concurso” ou seja, “desculpa”)

- Ouvir música embaladora: do princípio ao fim “Lua Nova” é um sucedâneo de música “romântica”.

- Usufruir da capacidade de deixar a nossa cansativa personalidade, trocando-a por outra, mil vezes mais poderosa: no filme as opções são lobisomem e vampiro e qualquer delas pintadas assaz atraentemente.

- Viver sem ter a “chatice” de optar “não me obrigues a escolher” – diz a certa altura a protagonista do filme.

… e, enfim, isto tudo servido – ou filmado – em planos intimistas, isto é, com os rostos a ocuparem totalmente o ecrã, como se os belos protagonistas fossem nossos íntimos ou nos sussurrassem ao ouvido!
Como não ficar então seduzido, senão mesmo apaixonado?

E se tal não bastara – o filme quer captar sobretudo a plateia adolescente – lá estão os “gangues” a mimar os grupos juvenis, mais o mito do “amor impossível”, cuja receita já Shakespeare comprovou.

Aliás, os únicos bons textos do filme são citações de “Romeu e Julieta”.

No final, e para rematar, as atitudes da protagonista são apresentadas como “opondo-se” ao progenitor, colhendo também dividendos entre quem se sinta em plena luta contra o papá/mamã ou o velho mundo!

Com tudo isto, Leitor/a, como hão-de os adolescentes resistir à “Lua Nova”, visto que é precisamente à carteira daqueles que o filme vai buscar os seus lucros, se não for à sua, é claro?

Há ainda os efeitos especiais e com tudo isto os “kids”, enquanto vêem o filme, ficam sentadinhos na sala escura cerca de duas horas.

Afinal de contas…

Ah mas se V. é de todo “maduro (a)” e também ficou de “beicinho” pelo filme, não se espante: não somos todos, no intuito de ascendermos ao estatuto de cegos consumidores, amassados num processo de infantilização?

3 comentários:

  1. Não vi o filme, não li o livro, nem acompanho a saga.
    Sou no entanto apreciadora do género desde miúda pelos motivos óbvios naturais da juventude e, por outros não tão óbvios...
    Li no entanto alguns artigos de críticos cinematográficos e, segundo percebi, já a saga dos livros antes da realização dos filmes, gerava polémica em torno das estórias e da influência que pudessem gerar nas gerações adolescentes.
    Não me senti atraída para ler os livros, talvez porque já conheça tão bem precisamente esse género e, considére realmente que já estou com uma "certa maturidade" para procurar outro tipo de interesses.
    Mas, se o belo a que se refere, retrata Sem Arte, as mais elevadas aspirações do Humano, e o nojo a que se refere, é uma "receita" seguida á risca para "manipular" as massas e levá-las ao consumismo que gera receitas de milhões em menos de uma semana,... então pergunto-lhe...

    Que diferenças exitem efectivamente entre a "Lua Nova" de Chris Weitz dos Estúdios Summitt Entertainement que foram buscar a Dakota Fannin, e os "Diamantes de Sangue" de Edward Zwick dos Estúdios Warner Bros com o Leonardo DiCaprio, ou, "o Diário de Anne Frank" de George Stevens da Century Fox com Francis Goodrich, ou, o "Amor sem fronteiras" de Martin Campbell da Paramount Pictures com Angelina Jolie, ou,... outra grande produção cinematográfica qualquer, e de preferência Americana, que renda milhões de dólares em menos de uma semana, pela sua concepção "manipuladora" de massas?
    E já agora, não será o lançamento de tanta polémica em torno desta saga vampírica, própria do imaginário adolescente e já tão comum no processo de crescimento para a desinfantilização alheada, uma mera guerra de Editoras e Estúdios?

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  2. Se contabilizássemos os filmes que não passam de emprego de receitas de manipulação, quão poucos, no cômputo geral, ficariam de fora! A indústria cinematográfica é uma realidade e próprio de qualquer produção industrial o fabrico massificado. Honra aos que lhe fogem, habitualmente à custa da própria carreira. Exemplos? Orson Welles talvez seja o mais flagrante. O autor do unânimemente considerado entre os melhores filmes da história do cinema ("Citizen Kane") quantos filmes fez? E Eisenstein? E Francis Ford Copolla? E...? Mais porventura do que noutra qualquer época a arte hoje vive na clandestinidade.
    Carlos Melo

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  3. ARTE, cinematográfica ou outra, para que seja considerada ARTE, mais, ou menos clandestina, terá sempre que ser visível, pois é aí que reside o seu valor.
    Se honra os autores que a sociedade lhes dá o capital necessário para a concretização da sua ARTE, ou se, muito pelo contrário, os que lhe fogem sacrificando as suas próprias carreiras e vidas, é relativo.
    Em qualquer altura A OBRA fará sempre parte de um processo de industrialização, mais ou menos, massivo.
    Mas claro, vale o que vale, é uma mera opinião.

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