SHAH, Sónia, Cobaias humanas, Casal de Cambra, Ed. Caleidoscópio, 2008
“Precisamos de abrir o debate acerca da própria ideia de usar corpos humanos como matéria de experiência. Para alguns desempenhos a função da cobaia em testes experimentais é o mesmo que, por exemplo, aceitar um trabalho na fábrica.” (pp. 18,19)
“Enquanto forem necessárias abordagens inovadoras para os dilemas da saúde imposta, por exemplo, pela falta de água potável e comida em boas condições, a resposta não está nos fármacos de marcas novas. E mesmo quando os produtos novos são, de facto, o que é mais necessário, desde novos fármacos contra a malária até tratamento contra a doença do sono, aqueles que ajudam os mais pobres, geralmente, têm pouco interesse para as empresas farmacêuticas, as quais se comprometem com as necessidades financiáveis dos seus investidores. O resultado mais possível será uma classe de ricos rodeada de fármacos, lado a lado com os pobres com falta de medicamentos. (…) “O desastre da talidomina marcou um ponto de viragem para a indústria farmacêutica em crescimento. Enquanto o escândalo revelou, sem dúvida, a insensatez de confiar nas empresas farmacêuticas direccionadas para o lucro (..) a legislação que surgiu no seguimento dessa situação não exigiu que a indústria se reorientasse no sentido da boa saúde da sociedade. Em vez disso, as novas regras exigiram que a indústria aumentasse amplamente as actividades experimentais, que eram tidas em grande conta. Agora a procura de corpos para as experiências começaria a sério (p. 71)
“Escute (…) investigadores biomédicos (…) e irá certamente ouvir comentários espantosos sobre experiências em seres humanos feitas no passado, quando audaciosos testes, sem regulamentos onerosos, produziam resultados impressionantes. Experimentação deste tipo, dirá o cientista de investigação, infelizmente já não é possível “devido a preocupações de teor ético”. (…) É difícil imaginar alguém a falar de contratos de exploração, derrames de petróleo ou desfalque de empresas como não sendo possíveis “devido a preocupações de teor ético”. (…) Mas quando os investigadores clínicos enganam pacientes, exploram a sua pobreza ou desviam recursos escassos da sua assistência médica, tal não é considerado um mal genuíno. A actividade principal da investigação médica – fazer progressos ao nível da melhoria da saúde, salvar vidas – ofusca isso. A exploração e as violações dos direitos humanos são apenas efeitos secundários.
Dominar estes “efeitos secundários”, exige, em primeiro lugar, que se ponha de lado o mito à volta da investigação médica que os estabelece como “efeitos secundários”. (…) Mas se a investigação clínica é uma indústria, que se guia segundo os seus próprios interesses, então não há razão para lhe permitir espaço de manobra especial, para fechar os olhos quando (…) infringem as regras.
(…) Devíamos exigir que os acordos para as cobaias – por exemplo o acesso aos fármacos de estudo depois de o teste terminar – fossem justos e bons no presente, e não num futuro especulativo, quando os preços baixarem ou a pobreza acabar e outras pessoas aplicarem soluções melhores.
Tais requisitos, que podiam ser incorporados nas regras da FDA, serviriam como correctivos lógicos para a indústria competitiva e direccionada para o lucro, em que a investigação clínica actualmente se transformou. Mas isso faz questionar-nos se, em primeiro lugar, realmente queremos adoptar esse modelo” (pp. 253 a 255).
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