5/17/2008

ENTRANHA 2 Rua Augusta...

O prédio que habito é vetusto, dizem-no mesmo Pombalino e, quer goste, quer não, nele vivem baratas. Baratas, pronto. Não no meu apartamento, é verdade, pois os quatro gatos que nele também moram não as tolerariam mas, no prédio, elas, as baratas, existem: nas traves mestras, nos buracos que ninguém vê, nas saias dos fantasmas. Baratas, insectos enormes, negros e que, sujeitos à repentina luz correm desabrigados sem que se adivinhe se em frente, se para os lados ou ascendem às nuvens, tal a rapidez da descolagem. Baratas voadoras, terror absoluto dos que as admiram – pela sua proverbial resistência – mas não as querem para companhia.
Isto a propósito da barata, a do terceiro andar.
Não, não era uma barata, não pertencia à espécie vulgar das baratas, não possuía os mesmos interesses que as demais nem idêntico "pedigree".
Não.
O que vi, deslocando-se lenta e majestosa, pesada e solene, nem era uma rainha das baratas mas apenas a imperatriz negra do império do baratedo.
Velha, gasta, gigantesca – perdão, grandiosa – arrastava com a solenidade das ocasiões únicas o seu negro corpo – coberto por especial manto? - no tapete cinza do terceiro direito. E só. Sim, face a tal sumidade, o que mais admirava era a sua solidão no deserto do patamar. Sua real imperabarateza saia, sem guarda-costas nem segurança. Assim E lá ia, pernas para a frente, pernas para trás e eu, crente que não olha de frente o deus que o agracia, desviei pudico o olhar, tímido na sua presença, enquanto ela porventura perneava para o amante, escondido algures no tapete vizinho e sequioso daquele chegada. Um general barato? Ou magala bafejado pela baraturura imperial, como outrora – consta – os militares de Catarina, a russa?
Desci a escada no maior silêncio, metido nos meus descaídos passos, eu, um mero inquilino do quinto esquerdo.

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