Senhora Merkel, Chanceler da Alemanha
Venho pedir-lhe, por ocasião da visita que em breve nos fará, para levar consigo na partida uma breve mensagem aos seus concidadãos. Eis o que gostava que lhes transmitisse:
Venho pedir-lhe, por ocasião da visita que em breve nos fará, para levar consigo na partida uma breve mensagem aos seus concidadãos. Eis o que gostava que lhes transmitisse:
Sabemos que na década passada
os vossos governos vos disseram que tinham de abrir mão de parte dos salários
para preservar o futuro do vosso Estado Social. Disseram-vos, e vocês
acreditaram, que se prescindissem de uma pequena parte do rendimento presente
vos tornaríeis “mais competitivos” e que, dessa forma, o vosso país poderia
obter uma poupança capaz de sustentar as vossas pensões e os direitos sociais
dos vossos filhos no futuro.
Sabemos que a década passada
não foi fácil para vós e que o vosso país se tornou desde então menos bonito e
mais desigual. Sabemos também que o objetivo pretendido foi conseguido. Que a
Alemanha se tornou «mais competitiva», exportou muito, importou menos e mais
barato, conseguiu grandes excedentes da balança de pagamentos e acumulou
poupança nos vossos bancos.
Nós sabemos, mas vocês talvez
não saibam, porque isso não vos é dito pelos vossos dirigentes, que esse
dinheiro acumulado nos vossos bancos, foi por eles aplicado, à falta de melhor
alternativa, em empréstimos a baixo juro aos bancos do sul da Europa, entre os
quais os bancos portugueses, e por eles emprestado de novo com muita
publicidade e matreirice a famílias do sul cujos salários também não cresciam
por aí além, mas que desejavam ter casa, carro e um modo de vida parecido com o
vosso.
As nossas economias sujeitas à
concorrência criada pela globalização que tanto convinha às vossas empresas
exportadoras cresciam pouco. Mas o crédito que os vossos bancos nos ofereciam,
por intermédio dos nossos, lá ia permitindo que as nossas famílias tivessem
acesso a bens de consumo, muitos deles com origem nas vossas empresas
exportadoras. Durante algum tempo este estado de coisas parecia ser bom para
todos.
Quando em 2008 todas as bolhas
começaram a estoirar, os vossos bancos descobriram que não podiam continuar a
arriscar tanto e cortaram o crédito aos bancos do sul e mesmo aos Estados. Se a
União Europeia não tivesse decidido que nenhum banco podia abrir falência,
responsabilizando os Estados pelas dívidas bancárias, teríamos assistido a uma
razia quer dos bancos endividados, quer dos bancos credores. Mas a UE decidiu
que os governos iam «resgatar» os bancos e que depois ela própria, com o BCE e
o FMI, «resgatariam» os Estados. Foi desta forma que os vossos bancos, que
haviam emprestado a juros baixos para lá de todos os critérios de prudência, se
salvaram eles próprios da falência. Foi assim que eles conseguiram continuar a
cobrar os juros dos empréstimos e a obter a sua amortização. Doutra forma,
teriam falido. Talvez vocês não saibam, mas os empréstimos concedidos à Grécia,
à Irlanda e a Portugal são na realidade uma dívida imposta aos povos destes países
para «resgatar» os vossos bancos.
Talvez vocês não saibam também
que até agora, os vossos Estados, todos vós como contribuintes, não gastaram um
euro que fosse nos «resgates» à Grécia, à Irlanda e Portugal. Até agora o vosso
governo concedeu garantias a um fundo europeu que emite dívida a taxas quase
nulas para emprestar a 3% ou 4% aos países «resgatados».
Talvez vocês não saibam que em
breve este estado de coisas se pode vir a alterar. A austeridade imposta em
troca de empréstimos está a arrasar os países «resgatados». Em breve, estes
países, chegarão ao ponto em que terão de suspender o serviço da dívida. Nessa
hora, haverá perdas, perdas pesadas para todos, contribuintes alemães
incluídos.
Talvez vocês não saibam, mas
no final, todo o esforço que haveis feito na década passada para tornar a
Alemanha «competitiva» e excedentária se pode esfumar num ápice. Afinal os
vossos excedentes, são os nossos défices, os créditos dos vossos bancos são as
nossas dívidas. Os vossos dirigentes deviam saber que uma economia é um sistema
e que a economia do euro não é exceção. Quando as partes procuram obter
vantagens à custa umas das outras, o resultado para o conjunto e cada uma delas
não pode deixar de ser desastroso.
Talvez vocês não saibam, mas
os vossos dirigentes andam a enganar-vos há muito tempo.
Perdoe-me senhora Merkel se
entre uma e outra palavra deixei transparecer amargura em excesso. É que não
sou capaz de o esconder: o espetáculo de uns povos contra outros é para mim
insuportável, sobretudo quando afinal todos eles se debatem com um problema que
é comum – o da finança que governa com governos ao serviço de 1% da população,
como o seu e o nosso. À memória ocorrem-me tragédias passadas que deviam ser
impensáveis. Concordará comigo pelo menos num ponto: é preciso evitar esses
inomináveis regressos ao passado.
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