Lua
Vi o teu corpo levantar-se lavado em orvalho,
Com pétalas de margarida marcadas na pele
E no cabelo, solto e luminoso como a Lua,
Espelhada na curva linha das tuas coxas,
Na cava linha da tua cintura, no vaivém
Dos teus ombros e seios passa o orvalho,
Mergulhando em si precipita-se doce,
Em trémulas grainhas e gotas salgadas
Ferem os olhos que choram e a boca mordida,
Pelo marfim e mel do teu beijo, do teu sagrado desejo.
Mulher azul
Vi-te naquela noite tingida de azul marinho
Num tom nocturno misto de blues e névoa
A diluir conversa numa maré de burburinho
A tua mão pendia e brilhavam os teus olhos
Num branco muito aceso que parecia o luar
Riso de quebra-gelo a navegar nos escolhos
Por entre o ritmo das ondas aparecias tu Rosa
Dos Ventos embalada em nocturnas fantasias
E dos teus lábios sábios versos mais que prosa
Exalavam exóticos perfumes secretas maresias
Silêncio
Num mar de sal seco em meados me vejo
E sobem-me lágrimas dum incensário vivo
Caiou-me os lábios a serpente do teu beijo
O silêncio das tuas palavras a penas estivo
Pois me vergo de quebranto num harpejo
E morro com cada sílaba que de ti me privo
Preciso de cataratas de palavras soltas pelo coração
Raios de sílabas em cada amanhecer do teu sorriso
Vales de eterna poesia em cada estrofe do teu siso
Sem
Perdida do tempo em palavras escritas
Não deram por perdido tempo as rezas
Promessas entre beijos sufocados ditas
Só a paixão rouba ao amor suas belezas
Céus servidos dos sentidos como mesas
Travessas de amor ao prazer sacrificado
Já só na dieta dos amantes há surpresas
Carnes em vinho com pétalas de pecado
Vinho em vez de lágrimas te suplico amante
Rosas em vez de pão encomendo eu apenas
Que lágrimas e amor não deixam ver adiante
Estrela do Mar
Alongado corre o mar pelo desejo infinito de entrar em ti
Um choro de espuma crepita na saudade dos meus dedos
E suspensa a maresia no meu peito sinto algas que toquei
Inspiro inebriado odores de carmim onde perdi os medos
Uma voz fresca rola nas ondas que me inundam os passos
Suspenso no azul o aceno das gaivotas desenha-te o olhar
E as dunas o teu seio esculpido a cinzel pelas mãos do mar
Terno como a brisa que suspira o sabor dos leves cansaços
Minha Estrela do Mar vem entrelaçar os teus braços nos meus dedos
Deixa-me sentir a fina areia do teu seio e as algas rosas onde dormes
Quero fechar os olhos e ver os teus no céu azul a adivinhar segredos
Urgência
Como se eu pudesse adivinhar entre as dobras da tua pele
Um coração que vê o mar e sente a brisa afagar-lhe o rosto
Como se as minhas mãos fossem água e a minha boca mel
Docemente a imergir até o ventre te estalar cheio de mosto
Estou dentro de ti sem começo permeio nem acabamento
Uma andorinha na busca eterna do sol a brilhar na tua alma
Serei em ti sempre nada mais do que a brisa dum momento
Um doce beijo no veludo do teu seio ao final da tarde calma
Festejo o calor do vento que te lambe o corpo a alma e as entranhas
A força do fantasioso ritmo que te entontece os pés e levita o desejo
Que tua boca amor reencontre fome de colher da andorinha um beijo
Borboletas
Do sangue vermelho surgem borboletas de todas as cores
Como se o teu magenta fosse o branco eterno e completo
Um Sol a desvendar em si o espectro do cabo além dores
A Boa Esperança enfeitada por asas de cromático dialecto
Não vejo drama na borboleta pousada no cerejo fontanário
Nem a vergonha brota dos vulcões sob o leito onde se esvai
Onde a coragem ordenou lavrar sobre a pele o seu glossário
Sílabas de fogo guardadas pelos Deuses quando a noite cai
Não pedem meu perdão as marcianas borboletas que o teu rio enfeitam
Não escuto o prenúncio da azáfama sanguinosa dos abutres em festim
Só ouço o mensageiro vento a passar por nossas vidas e à vida dizer sim
Suposições eléctricas
Suponho que me leias hoje, ao longe
Mais uma vez, ao longe, pela fractura
Eléctrica, que entre nós teima e dura
Eléctrico de nós, solavancos e loucura
Rosa
Pousei nas tuas mãos uma rosa rara
Deixei cair certa mentira pura e cara
A dura côdea que me sustem a alma
Morna jaze na concha da tua palma
Guarda bem esse pão que é meu tesouro
Afaga no teu regaço essa rosa minha dona
E dona minha te suspiro que silêncio é ouro
Credo
Acredito em ti, tanto que nem acredito,
Nesse ouro de palavras sobre o meu peito,
Quero caminhar à chuva desse sol aflito,
Acreditar que o meu ser em ti é ser perfeito.
Se até ao arco-íris te vou viver de memória, imperfeito,
A promessa do ouro é um diamante desenhado a carvão,
O labirinto de dor e alegria que há-de ser um mar de rosas em botão.
Espera
Saudade é um tempo que fica à espera do tempo
É a humidade da areia que fica na baixa das marés
É a vontade presa na véspera eterna do momento
É não ter fonte que traia uma sede triste de alegria
A saudade é uma lágrima que cola a alma ao vento
E não seca com sede de viver nem sol do meio-dia
Rever-te
Não quero dizer palavras ditas mas rever-te
Como te revi nas copas dos serenos bosques
Na luz do canal onde ver a vida era sentir-te
Como o Sol sobre a estação que tu te mostres
Quero ter comigo o teu olhar puro e quente
Esse aconchego verdejante à solta no jardim
Quero sentir o coração forte que não mente
Da minha vida a procurar a tua num sem-fim
Por isso quero que vivas neste dia que é teu como as marés
Quando retornas à chegada e te largas à doce barca do luar
E navegas ao cabo de cada vida que sonhaste e esse sonho és
Sem comentários:
Enviar um comentário