As crianças nas sociedades em guerra civil ou em luta de libertação:
1)São em grande número
2)Não dispõem de instituições que tomem conta delas quando os pais estão a trabalhar, nem de escolas que as guardem o dia inteiro;
3)Muito cedo assumem responsabilidades na família, desde tomar conta dos irmãos mais novos a angariar sustento através de pequenos serviços que prestam
4)Vivem a guerra em directo - os pais não podem mudar de canal da TV ou mandá-las para o quarto;
5)Vêm morrer os irmãos, os pais, os tios, os vizinhos - a guerra não é uma coisa que lhes é exterior e em relação à qual se possam distanciar. É-lhes impossível não tomar partido no conflito.
6)Eles sentem que pertencem, e pertencem de facto, a uma das partes em conflito. Por isso querem participar na luta. À solta na rua ou sozinhos em casa estão vulneráveis ao inimigo. Por um lado têm que aprender a defender-se e a proteger-se, por outro lado querem participar na luta.
7)Se abandonadas a si mesmas, sozinhas ou em bandos, tomam iniciativas
que vão desde atirar pedras até roubar materiais das instalações do inimigo,
passando por insultá-los e outras ousadias. Atravessam-se nas ruas durante
os conflitos, seguem os guerrilheiros do seu lado que são seus familiares,
vizinhos e amigos. Querem segurar nas mochilas, nos cintos de munições das
auto-metralhadoras, levar comida e água, abrir e fechar portas em fugas,
apontar esconderijos e dissimulá-los. E são donos de uma criatividade sem
limites.
8)É muito difícil a um guerrilheiro, por mais que queira, actuar sem que uma delas ou um grupo o acompanhe, umas vezes ajudando realmente, outras atrapalhando, mas sempre correndo riscos.
9)A melhor forma de controlar esta actividade desorganizada e perigosa, para melhor os proteger e defender, é organizá-los por forma a que sintam que contribuem, que participam, que são úteis, que é exactamente o que eles querem.
10) Estas crianças não querem as brincadeiras dos meninos de Lisboa ou de Paris. Querem mesmo é ajudar na luta. Por isso não se diga
que são impedidos de brincar.
11) É esse o papel das organizações de pioneiros neste tipo de sociedades. Organizados, incluídos numa organização dirigidas por adultos, as suas actividades e iniciativas são controladas, canalizadas para actividades de educação física, marchas, enfim , todas as que os fazem sentir-se identificados com os seus heróis e protectores - os pais, os irmãos mais velhos os vizinhos que lutam na guerrilha. Só assim se submetem à disciplina que nessas organizações lhe é imposta. É a melhor forma de os proteger. Enquanto estão entretidos naquelas actividades que são organizadas o mais longe que se consegue do centro do cenário do conflito (numa cidade isto não é muito fácil), estão protegidos e não andam a arriscar a vida nas esquinas e vielas, em cima dos muros e dos telhados. Dá-se-lhes uma farda e umas armas de brincar, pede-se-lhes que desempenhem tarefas úteis não arriscadas e ao seu alcance e valoriza-se o seu contributo para a comunidade e para a luta. A única forma de os proteger é enquadrá-los o melhor possível.
Mostrar fotografias das organizações de pioneiros sem explicar o papel que elas desempenham nestas sociedades, apontando "o que eles não querem mostrar" é acusar as guerrilhas de utilização abusiva de crianças na guerra, de falta sensibilidade e de perversão violenta. É precisamente o oposto do que se realmente se passa.
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