9/06/2008

POLÍTICA 4




GLUCKSMANN, André e Rafael, O Maio de 68 explicado a Nicole Sarkozy, Lisboa, ed. Guerra e Paz, 2008 (Ca. 234 pp. e 14 euros)

“A França e o mundo mudaram bastante desde os famosos “Acontecimentos de Maio”: o gaulismo e o comunismo já não dominam o pensamento e a cena política, o muro de Berlim e as torres gémeas de Manhattan caíram, a guerra fria acabou (…) substituída pelas guerras quentes do pós-comunismo, por todo o lado se sente a ameaça de um terrorismo nihilista, a sida desabou sobre o planeta, a Europa democrática foi parcialmente reunificada, dois genocídios vieram, no Cambodja e no Ruanda, sobrecarregar ainda mais as contas de uma incorrigível humanidade, o euro substituiu o franco, a esquerda assumiu o poder para depois o perder, os antigos revolucionários aburguesaram-se, a interrupção voluntária da gravidez, a pílula abortiva e o pacto civil de solidariedade já são aquisições consensuais, o século XX morreu, um novo milénio começa. Qual a actualidade de 68 em 2007?” (p.11)

“A ruptura contemporânea não se contenta com dessacralizar a ordem estabelecida: dessacraliza-se em permanência” (p.198)

“A ruptura histórica é gigantesca. Com Maio de 68, Lisboa de 1974 e Kiev em 2004, a revolução entra na era godeliana de “incompletude”, e da inconsciência. Deixa de se viver como sistema fechado e deixa de devorar, tal como Saturno, os próprios filhos. Abandona toda e qualquer ideia de luta final ou de solução com o mesmo nome, “deixa de ser para existir” e, assim fazendo, rompe com quatro séculos de busca proteiforme de Absoluto.
Reencontra uma nova energia” (p.201)

“O instante sagrado em que o indivíduo deixa de ser ele próprio para se transformar em Estado, para se inscrever numa tradição, em códigos, em costumes que o ultrapassam (…) Curiosa alienação do povo que se transforma em servido do Estado.
Tendo compreendido a natureza do poder e apercebendo-se de que eram demasiado frágeis para o enfrentar, os militantes de 68 fugiram da política institucional como da peste. Deixaram o Estado marinar no seu arcaísmo e a França mergulhar na esquizofrenia. A “limpeza do pó” feita por Maio deve por fim atingir esse grande totem veneziano [alusão ao retrato do doge Loredan pintado por Bellini – N. de Kriu] implantado no coração da Republica” (p. 233)

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